A importância de se chamar Jack Bauer

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O agente da CTU que é a primeira escolha de último recurso para missões impossíveis DR

Jack Bauer é novo herói americano para a era do terrorismo, uma súmula dos heróis da ficção do século XX. Este homem, capaz de suportar um quase one man show em quatro dos piores dias da sua vida, é um poço de contradições guiado por um ideal controverso - o bem comum a qualquer custo - que o faz não olhar a sacrifícios para atingir fins.

Matou centenas de pessoas, algumas inocentes, já foi viciado em heroína e está pronto a abdicar da sua vida pelo seu país. É um perito em "extrair informação de testemunhas", vulgo tortura, e ainda assim é admirado por milhões de espectadores em todo o mundo.

A principal virtude de Jack Bauer, agente da Unidade Contra Terrorista (CTU) dos Estados Unidos, em Los Angeles, é o seu poder de resolução. Nancy Franklin, crítica de televisão da revista norte-americana The New Yorker, nunca tinha visto 24 e forçou-se, quando estreou a quinta série no canal Fox, a perceber o Bauer Power. Constatou que "24 resulta um pouco como um tratamento homeopático, ajudando a evitar aquilo que mais tememos nos dias que correm". Cria-se a sensação de que, qualquer que seja o problema, Bauer resolve. E o problema é o terrorismo.

É a sua capacidade quase infalível de ultrapassar obstáculos, como um MacGyver com linha directa para a Casa Branca, que lhe confere a imagem de um super-herói e o respectivo carisma, atestado pela formação de um culto em torno da série 24 e da sua figura. A Internet confirma-o, com blogues, bandas e piadas a circular em honra de Bauer.

Jack é um herói trágico, dilacerado pelas suas fraquezas e erros, que serão, no fim, a sua perdição. Sofre do coração e contraiu uma doença profissional: a dependência de heroína, um osso do ofício enquanto esteve infiltrado na família Salazar. Mas, sobretudo, sabe que tem de fazer o que for preciso para resolver a crise que tiver em mãos. No fim do terceiro dia, mostrou um raro rasgo de fraqueza face à adversidade. Num acto de stress pós-traumático, chorou.

Os meios justificam a tortura

É esta a bifurcação moral contínua de Bauer e do CTU. Seres humanos, normais na ética e superiores na técnica, têm de salvar milhões de vidas. Enfrentam o dilema da tortura e fazem o espectador funcionar a duas camadas. A da suspensão da incredulidade, que acontece sempre que estamos imersos num filme ou série, que consegue que a intervenção da Amnistia Internacional para salvar da tortura uma testemunha potencialmente vital seja aceite como um empecilho. E a dos valores reais, que comandam a vida fora de uma América sob a paranóia do terror, que não permite excepções aos valores do humanismo.

A Jack Bauer, a dicotomia e a escolha da via dura em prol do bem geral confere uma dimensão de herói heródico, trágico pelo seu sacrifício moral. Slavoj Zizek, filósofo e psicanalista, critica na revista In These Times como os agentes do CTU, e Bauer em particular, são mostrados aos espectadores como "o equivalente psicológico do café descafeinado, fazendo todas as coisas horríveis que a situação exige sem, no entanto, pagarem o preço subjectivo por elas".

Este filho pródigo de um mundo globalizado e violento é disputado pela esquerda e direita americana. Rush Limbaugh, o radialista conservador norte-americano, chamou a figura de Jack Bauer, exemplo de liderança e força, ao seu Partido Republicano. Em resposta, o blogger democrata Taylor Marsh apresentou os argumentos que comprovariam que Bauer, um patriota renegado que nunca mente, é um aliado do Partido Democrata.

Outros fãs do agente do CTU são os cristãos americanos. Porque Jack Bauer é um homem com uma missão, consciente dela, da sua família e do seu passado, ao contrário de outros heróis imperscrutáveis como Jason Borne. Um agente sem tempo a perder, em contraste com o diletante James Bond. A importância de se chamar Jack Bauer é tal que o seu Governo terá de o matar. A única solução para a personagem do actor Kiefer Sutherland vai ser mudar de cenário.

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