Precisamos de silêncio, diz Ryuichi Sakamoto

Quem gosta de novas experiências sonoras não deve perder, hoje, no Porto, e terça, em Lisboa, o japonês Ryuichi Sakamoto e o alemão Alva Noto. Apresentam "Insen", performance sonora de estruturas emocionais, com piano, electrónicas e imagens. Em entrevista, Sakamoto fala dos concertos

Consultar a discografia completa de Ryuichi Sakamoto é perdermo-nos num emaranhado de álbuns, bandas-sonoras para filmes (O Último Imperador, Feliz Natal, Mr. Lawrence), óperas ou diversos projectos artísticos. A solo, com a Yellow Magic Orchestra - pioneiros da electrónica no final dos anos 70 - ou envolvido em parcerias (David Sylvian, Arto Lindsay, David Bowie) e projectos (Morelenbaum+2), o músico nipónico revela grande capacidade de trabalho. Nos últimos anos tem cooperado também com músicos das electrónicas abstractas, como Fennesz e o alemão Carsten Nicolai, conhecido por Alva Noto. Este último é um dos criadores mais fascinantes do panorama contemporâneo e foi com ele que criou Vrioon (2003) e Insen (2005), dois álbuns magníficos onde figuras digitais mínimas e notas de piano essenciais originam uma música palpável e gráfica, contemplada por uma interioridade plena.Nos espectáculos toca piano acústico enquanto Alva Noto disseca electronicamente todos os sons, através do computador. Como descreve o ambiente que criam?
É tranquilo, meditativo. É baseado nos álbuns. Da minha parte existe uma grande dose de improviso, enquanto Carsten Nicolai enceta manipulações electrónicas. O ambiente é semelhante aos discos, embora o resultado seja diferente, por causa dos improvisos. E existe também a mediação resultante da excitação natural do palco, apesar de nos mantermos estáticos. Haverá também um ecrã entre nós que mostrará imagens abstractas, como se constituíssem um reflexo do som. Não são imagens pré-programadas. Funcionam em interacção com o som.
Num espectáculo com essas características, onde prevalecem os detalhes e gestos subtis, que importância atribui à reacção da assistência?
É sempre importante sentir que estamos a conseguir comunicar com quem está a assistir, mas aquilo que fazemos não é um concerto rock. A energia que passa do palco para a assistência e vice-versa é mais delicada. Está mais próximo da ideia de instalação de arte ao vivo. Mas reagimos à assistência. Somos tocados por ela.
Hoje tocarão na Casa da Música e terça no Coliseu. Gostam de apresentar uma música que vive dos pormenores quase imperceptíveis em espaço de grandes dimensões?
Preferimos os espaços pequenos - galerias de arte ou museus. Quando iniciámos esta digressão foi nesse tipo de espaços que pensámos. Foi isso que solicitámos. Mas normalmente os museus não têm uma grande acústica, daí que seja também interessante tocar em espaços que normalmente recebem outros concertos.
Na vida moderna o silêncio tornou-se um bem precioso. A música está em todo o lado, no espaço privado e público. Nunca se ouviu e nunca se fez tanta música. É possível que esse excesso se tenha tornado no seu principal inimigo?
É possível. No nosso estilo de vida a música é mais um produto de consumo. O excesso de música faz com que estabeleçamos com ela uma relação de quase indiferença. Pelo excesso, nivelamo-la de igual forma - a boa e a medíocre. Precisamos de silêncio, como na peça [4"33"] que John Cage compôs nos anos 50. Não sei se estamos próximos desse espírito, mas há sombras de Cage a atravessar a nossa música. Temos que reaprender a ouvir. Saber estar no silêncio, é o princípio.
Os dois álbuns que concebeu com Alva Noto são convites para nos deixarmos envolver nessa ilusão de silêncio?
Não foram idealizados com essa ideia, mas gostaria de pensar que sim, até porque não creio que seja possível desfrutar dela totalmente se não existir essa vontade de imersão.
É fácil vê-lo envolvido em colaborações, mas é difícil ouvi-lo a solo. O ano passado foi editado Chasm, o seu álbum a solo dos últimos oito anos. Não gosta de trabalhar sozinho?
Compor para filmes, encetar colaborações ou criar álbuns a solo é o mesmo. Consumo a mesma energia a fazer essas coisas, porque os meus álbuns a solo acabam por ter convidados. Às vezes as colaborações são mais inspiradoras. Trabalhar com outros coloca-nos em confronto com aspectos de nós próprios que muitas vezes estão ocultos. É mais surpreendente.
Do ponto de vista da tecnologia, quais as diferenças fundamentais entre criar música no final dos anos 70, no contexto da Yellow Magic Orchestra, e a actualidade?
Naquela época a tecnologia não estava tão avançada. Os Macintosh ainda não existiam. Os sintetizadores analógicos eram enormes, tinham uma presença imponente. Sinto falta disso. Ou melhor, não sinto, porque ainda utilizo alguns desses sintetizadores. Mas sinto falta da coloração do som desse período. Agora é tudo mais padronizado. Os aparelhos são leves e compactos, mas não significa que façamos melhor música.

RYUICHI SAKAMOTO + ALVA NOTO
PORTO. Casa da Música. Hoje. Às 23h.
Bilhetes 20 euros.
LISBOA, Coliseu dos Recreios. Terça-feira,
13. Às 22h. Bilhetes entre 28 e 55 euros.

Sugerir correcção