Concorrência do Leste faz abrandar fluxo de emigrantes portugueses para a Irlanda do Norte

Consulesa honorária foi nomeada no final de Março. Hoje, Dia das Comunidades Portuguesas, há festa no Bar O Emigrante, em Portadown

A "Sãozinha da Ribeira", que vendia bifanas no "boteco Bacia", está em Portadown há quase dois anos. "Foram uns amigos" que a trouxeram. Saiu da Ribeira "já com contrato de trabalho e tudo". E não sonha com um pronto regresso, embora não resista a ir até à beira Douro vender umas bifanas pelo São João. O ano passado até levou "duas irlandesas". "Tenho muita vida, graças a Deus!"Sãozinha não foi pioneira. Os portugueses começaram a chegar à Irlanda do Norte há meia dúzia de anos - atraídos por anúncios publicados na imprensa nacional que desaguavam em agências de trabalho temporário. Concentraram-se a pouco mais de meia centena de quilómetros de Belfast - em Dungannon e Portadown - para labutar em fábricas como a Moy Park, a Linden Foods ou a Dungannon Meats. Quando Sãozinha chegou, já a comunidade abrira o bar-restaurante O Emigrante. Veio cozinhar nele e nele permanece.
Ao fim-de-semana, a animação sobe de tom n"O Emigrante, o único bar português da cidade - mais subirá hoje, que é Dia das Comunidades. Em dias como estes, Luís Costa empresta os seus grandes músculos ao pequeno estabelecimento situado no primeiro andar de um velho prédio. "Isto à sexta e ao sábado é uma mistura de raças - portugueses, irlandeses, lituanos, polacos." E o álcool insufla o pavor do mundo. Agora, que há "sempre dois ou três seguranças, já se está bem".
Percorrendo ruas como Craigweell ou Obine, antenas da TV Cabo denunciam a presença de portugueses. Nuno Rocha mora numa destas casas de arquitectura típica, mas não sabe até quando. A fábrica de salsichas reduziu pessoal e ameaça encerrar. Nuno ficou sem emprego e sem consolo: a namorada já partiu, ele está a marcar passo.
"Inscrevi-me em muitas agências", solta, num murmúrio quase inaudível. É Maio. Está inscrito "há dois meses" e disposto a aguardar outros dois pelo retorno do trabalho. Se as suas grossas mãos se mantiverem vazias, apanha um avião de Dublin para o Porto. "Vejo lituanos e polacos a passar à minha frente."

A nova consulesaNão há dados fiáveis sobre o número de portugueses residentes na Irlanda do Norte. Abundância de documentação falsa à parte, o Consulado Geral de Portugal em Londres fica longe, demasiado longe, para alguém lá ir só para se registar. A consulesa honorária, Cecília Pereira Whiteside, foi nomeada em Março e iniciou tarefas no final de Abril, numa reunião que teve com a comunidade, no Centro de Desenvolvimento Bannside. Mas vigora a percepção de que a presença portuguesa na zona está a encolher.
"Muitos estão a sair, mantêm-se algumas famílias que querem ganhar algum", avalia Alexandra Vaz. Pelo menos em Portadown, os novos rostos quase se reduzem aos familiares de quem chama à Irlanda casa. "Fui administrativa numa agência [de trabalho temporário], tradutora, intérprete e sou barmaid, sei o que estou a dizer!"
Nos primeiros tempos, era grande a rotação, como se a comunidade fosse composta por uma massa de jovens errantes, fugitivos do desemprego cruento e duro. Uma pesquisa divulgada pela Comissão da Igualdade da Irlanda do Norte em 2002 revelava que 80 por cento dos portugueses que trabalhavam naquela zona tinham entre 22 e 31 anos e regressavam a Portugal no final do contrato. Dois terços tinham cumprido acordos idênticos noutras partes da União Europeia.
Com a abertura da União, polacos e lituanos chegaram em força. "A agência está a mandar os portugueses embora, diz que não há trabalho, que é preciso saber inglês", torna Alexandra. Altiva, desconfiada, a hora fatal já lhe bateu à porta: "Despediram-me e, para o meu lugar, contrataram dois polacos e dois lituanos." O que está a acontecer, acredita, "é o mesmo que se passa noutros lugares". Os polacos e os lituanos "trabalham por menos dinheiro e não se queixam".

Esforço de integraçãoOs males que a acabrunham são diversos. E a regressão do pulsar da comunidade sente-se nos pequenos negócios de cariz étnico. Fernando Freitas, dono de uma mercearia de produtos portugueses, vende "muitos enchidos, bacalhau". Mas cada vez menos. "Já houve mais gente, porque isto aqui também não está famoso."
Os clientes de Freitas "estão cá há quatro, três, dois anos". Muitos têm os filhos com eles, como Alexandra. O de Sãozinha é que não quer saber de viver na chuvosa Irlanda do Norte, apesar de a namorada muito lhe pedir que se mude - "Ele diz que não é o mundo dele."
O Café Lisboa, no rés-do-chão da Bannside, sabe a família. Nas paredes, informações em português, mas também em polaco, sobre temas como amamentação. Ana Santos sai de trás do balcão no estabelecimento que gere há dois anos: "Primeiro diziam que não havia escola de Inglês, depois que não tinham onde deixar os meninos; veio a creche e disseram que não tinham transporte e até isso se arranjou."
Ana foca o esforço local na integração dos estrangeiros. E alegra-se com a nova representação consular: "Exigem passaporte para tudo e essa senhora irá tentar resolver isso." Para Cecília Whiteside, a rejeição dos bilhetes de identidade explica-se pela abundância de falsificações. Espera atenuar a situação com o registo consular. Para maior conforto de quem escolheu a Irlanda do Norte não só para trabalhar, mas também para viver. Como Sãozinha da Ribeira, que ali experimenta ternura.

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