Torne-se perito

Primeiros cowboys da Península Ibérica terão sido africanos

As vacas da Europa terão vindo não só do Próximo Oriente, mas também do Nordeste de África, diz a equipa de um português

De onde vieram os bovinos domésticos da Europa? Até agora, pensava-se que as vacas domésticas da Velho Continente tinham uma única origem - o Crescente Fértil, no Próximo Oriente. Mas a equipa do engenheiro zootécnico Albano Beja Pereira, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, acaba de propor uma segunda origem, o Nordeste de África. A nova proposta foi publicada na última edição da revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, (PNAS): assinado em primeiro lugar por Beja Pereira, o artigo conta com a participação de outro português, Nuno Ferrand, também do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, além de diversos investigadores estrangeiros. E traz mais lenha para a discussão sobre a origem das vacas domésticas da Europa (Bos taurus).
Em Abril de 2001, a equipa de Christopher Troy, do Trinity College, em Dublin (Irlanda), teve direito a destaque na capa da revista Nature, com um trabalho sobre a origem dos bovinos modernos. "O artigo dizia que todas as vacas da Europa provinham do Crescente Fértil (Turquia, Síria e Iraque). Portanto, todos os bovinos da Europa eram uma amostragem do que existia no Crescente Fértil. Isso era quase aceite pela comunidade [científica] como um postulado", conta Beja Pereira, de 33 anos.
"Mas havia uma série de limitações nesse artigo: a maior parte das amostras eram de bovinos do Centro e Norte da Europa. Não cobriam muito bem a bacia do Mediterrâneo. Deixou um buraco em aberto, que nós agora completámos. O que dizia o artigo da Nature só é verdade para o Centro e Norte da Europa, e não para a Europa mediterrânica", acrescenta.
Para chegar a esta conclusão, a equipa de Beja Pereira analisou ADN de mais de mil bovinos actuais, representando 51 raças, da Europa, do Norte de África, do Próximo Oriente e da Ásia. O ADN estudado é o das mitocôndrias, as chamadas baterias das células, e que é herdado apenas da mãe (e não de ambos os pais, como o ADN no núcleo celular). Como a sua taxa de mutações é conhecida, o ADN mitocondrial é muito usado como um relógio molecular para saber o que se passou para trás no tempo.

Duas origens distintasNeste caso, o estudo genético das mitocôndrias permitiu obter um resultado algo inesperado sobre as rotas seguidas pelos primeiros agricultores e pastores para trazerem as vacas para a Europa - uma rota continental, ou do rio Danúbio, já conhecida, e uma rota marítima, com origem no Nordeste de África, que é a grande novidade deste trabalho.
"Os primeiros cowboys da Península Ibérica terão sido africanos", é como Beja Pereira resume os resultados. Acompanhados pelas suas vacas domésticas, os primeiros vaqueiros ibéricos chegaram há cerca de 5000 a 6000 anos, acrescenta o investigador.
Nessa altura, já havia bovinos domésticos no Centro e Norte da Europa, onde tinham chegaram há cerca de 8000 anos (os vestígios mais antigos têm 6000 a 7000 anos). Por isso, quando os humanos vieram com as vacas do Centro e Norte da Europa para a Península Ibérica, já aqui encontraram as vacas domésticas oriundas do Norte de África. "As mesmas rotas que os levaram para o Centro da Europa só mais tarde chegaram à Península Ibérica."
Esta ideia é fundamentada agora pelas análises do ADN mitocondrial das vacas modernas: "Na rota do Danúbio encontrámos características derivadas do Crescente Fértil, enquanto a rota do Mediterrâneo apresentava outras características, nomeadamente africanas", diz Beja Pereira. Assim, na parte europeia do Mediterrâneo, o ADN mitocondrial apresenta características tanto africanas como do Crescente Fértil, ao passo na orla africana do Mediterrâneo só tem características africanas.
Esta nova origem das vacas domésticas da Europa, segundos os genes maternos, também corrobora uma proposta publicada, em 2001 na PNAS, pelo arqueólogo português João Zilhão, agora da Universidade de Bristol, em Inglaterra. Baseando-se em vestígios arqueológicos, Zilhão disse que a agricultura (surgida no Crescente Fértil) chegou de forma rápida, por via marítima, à Península Ibérica.
"Face ao resto da Europa, a Península Ibérica está mais próxima de África e afastada do Crescente Fértil. Por isso, no caso da Península Ibérica terão chegado primeiro as vacas africanas, por ser mais rápida a expansão marítima", diz Beja Pereira.
"Para o cidadão comum, isto diz que a origem da agricultura e dos agricultores nossos antepassados não é exclusiva do Crescente Fértil, mas terá passado por África. Os agricultores africanos estão entre os nossos antepassados da Península Ibérica, porque foram eles que trouxeram a agricultura e os animais", resume o investigador.

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