França homenageou pela primeira vez vítimas da escravatura

Chirac disse que olhar para o passado é "uma das chaves da coesão nacional" francesa

Numa altura em que a França anda às voltas com o ensino da sua experiência colonial e mergulhada num debate sobre uma restritiva lei de imigração, o Presidente Jacques Chirac fez questão de assinalar ontem pela primeira vez o dia da memória da escravatura e da sua abolição.Na cerimónia que escolheu para marcar o dia em Paris, Chirac inaugurou uma exposição de Lea de Saint-Julien, uma artista cujo pai veio da ilha de Guadalupe. "Olhar directamente para o nosso passado é uma das chaves da nossa coesão nacional", afirmou o Presidente francês, ao lado do primeiro-ministro e de outros membros do Governo. Chirac sublinhou que "os milhões de vítimas anónimas da escravatura merecem memória e justiça".
O dia da memória da escravatura e da sua abolição foi assinalado por toda a França com concertos, leituras e outros eventos, e também na antiga colónia africana do Senegal, de onde partiram muitos escravos rumo às Caraíbas.
Em Paris, o Museu do Louvre e a Biblioteca Nacional ofereceram exibições de obras de arte e de manuscritos sobre escravatura. A entrada no Panteão, onde permanecem os restos mortais de muitos abolicionistas franceses famosos, era ontem gratuita. Na cidade francesa de Nantes, cujo porto viu partir muitos barcos de escravos, cumpriu-se um minuto de silêncio.
A homenagem às vítimas da escravatura foi agendada para 10 de Maio, dia em foi adoptada, em 2001, uma lei europeia que reconheceu a escravatura como um crime contra a humanidade.

Prática abolida em 1848Centenas de milhares de escravos foram levados em barcos franceses de África para as plantações nas Caraíbas até 1848, ano em que a escravatura foi abolida em definitivo. A primeira proibição foi decretada em 1794, depois de uma revolta bem sucedida dos escravos da ilha de Santo Domingo, que mais tarde se tornou o Haiti.
Mas a abolição inicial - a primeira na Europa - foi retirada por Napoleão em 1802 e só novamente decretada 46 anos depois.
As comemorações inéditas do dia da memória da escravatura não escaparam no entanto às críticas. "Temos de estar contentes porque a França reconheceu a escravatura como um crime contra a humanidade..., mas há muitos paradoxos e conhecimento insuficiente da história", disse ao sítio da BBC News Alioune Tine, secretário-geral do grupo africano de direitos Raddho.
Os esforços de Chirac para gerir o passado colonial francês têm vindo a revelar-se controversos. A recente aprovação de uma lei que pede às escolas que ensinem os horrores da escravatura enfureceu os historiadores, que acusam o Governo de ditar como a história é ensinada nas aulas e de ignorar o papel positivo que consideram a França ter desempenhado nas suas antigas colónias.

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