Aves

A claque Força Avense inventou o cachecol You will never fly alone (Nunca voarás sozinho). E o Desportivo das Aves está tudo menos desamparado no seu terceiro voo até ao principal escalão do futebol português. Tem um presidente "tipicamente avense", tem estatutos com palavra de honra, tem um treinador com qualidades suficientes para ter direito a um busto na vila, tem adeptos com memória de elefante, tem o clero e o povo do seu lado. Por Luís Octávio Costa

O Clube Desportivo das Aves tem tudo. Tem fortes tradições a cumprir, tem uma inamovível palavra de honra nos estatutos, tem o cachecol mais correcto e original dos campeonatos profissionais - pode ler-se You will never fly alone (Nunca voarás sozinho) à boa maneira dos vermelhos de Liverpool -, tem caderneta de cromos, tem apoio quase divino, tem, nomeadamente, uma equipa em alta. Hoje, em Vila das Aves há um concerto para celebrar o regresso ao principal escalão do futebol português.A liga prepara-se para ganhar uma espécie de clube Xanax, um antidepressivo que contrasta com a falência e deslocalização da indústria local, uma equipa de futebol que segue o percurso inverso de outras clássicas do Vale do Ave. Hoje, o Rio Ave e o Vitória de Guimarães estão pendurados na Betandwin.com, o Moreirense e o Vizela têm as unhas cravadas na Liga de Honra para não cair ainda mais fundo. Há cerca de 20 anos, a região contava com diversos campeões da indústria têxtil. Agora, o Desportivo das Aves é o exemplo a seguir, o mais parecido que há com um campeão.
Em 2006-07, Vila das Aves será a única vila na Liga. Será também a terceira vez que o Aves lá estará, curiosamente a terceira vez que o professor Neca conduz a equipa a esse patamar - e o Aves nunca esteve lá duas épocas consecutivas. "O que sobe volta a descer", disse ao PÚBLICO Jerónimo de Castro, um dos elementos de uma assembleia de circunstância que a meio da semana se reuniu no café da sede do clube. "Dificilmente se conserva lá", reforçou Luís Gomes, tesoureiro e secretário do Aves entre 1962 e 1964. "Dificilmente vai descer", contrariou António Ruivo, que também já esteve por dentro do clube. Tem a palavra Joaquim Pereira, o actual presidente, "tipicamente e original avense": "À terceira será de vez. Há um projecto idealizado que deu frutos mais cedo do que se pensava. Desta vez, existem pessoas com muita responsabilidade e muito empenho".

"Eram os vermelhos e os amarelos"
Torna-se fácil encontrar paralelos entre este Aves e o de antigamente, o Desportivo que era composto por dois grupos distintos, pelos Onze Vermelhos do Aves e pelos Amarelos. "Eram os vermelhos e os amarelos", puxa pela cabeça Luís Gomes. "Trabalhavam na fábrica de Vizela e jogavam". Ainda não existia o actual estádio (inaugurado a 8/12/1981), havia o Bernardino Gomes, pelado que hoje serve de sede das camadas jovens (200 miúdos divididos por oito equipas de formação) e que no seu tempo assistiu a duelos com o Sporting, com o FC Porto, a "tiroteios" e a "muitos feridos naquela tarde em que as ramadas da vinha cederam por excesso de público", conta João Sousa, um dos dois roupeiros do Bernardino Gomes. Soares dos Reis, guarda-redes emprestado em 1962 pelo FC Porto, recorda outras imagens de marca do clube da "acolhedora" Vila das Aves. "Noventa por cento dos jogadores eram da casa, jogadores cobiçados pelo Leixões, pelo Salgueiros...". O guardião, o primeiro jogador profissional do Aves, ganhava "1500 escudos" (7,5 euros). E o clube já funcionava "em bloco".
Na década de 60, os bilhetes custavam cinco escudos e o tesoureiro Luís Gomes andava "de chapéu a pedir às portas". "As notas de conto andavam escondidas", recorda. E só havia duas alternativas: "Pedia-se. Ou as dívidas eram perdoadas". "Faziam parte da direcção de calças de ganga", brincou Soares dos Reis. Hoje, os adeptos reconhecem o valor da actual direcção composta por Joaquim Pereira, Nuno Almeida e António Freitas, um grupo que se orgulha em manter um dos requisitos mais importantes do Aves. "Não está escrito nos estatutos, mas existe uma palavra de honra de não deixar dívidas no final de cada temporada. E essa palavra de honra tem sido cumprida ao longo dos anos", esclareceu o presidente.

A ajuda quase divinaEm 2005, a vila comemorou as bodas de ouro (em 1955 era São Miguel de Entre Ambas as Aves), o clube festejou as bodas de diamante e o pároco local recebeu do Aves uma salva de prata pelos 25 anos de pontificado. Nesse dia, o pároco deixou uma espécie de profecia: "Quem sabe se esta salva de prata não significa a subida..." Mas não se fica por aqui aquilo a que Joaquim Pereira apelida de "papel fulcral do clero". O terreno do estádio foi cedido pela Igreja, bem como o terreno do pavilhão e uma boa parte da futura zona desportiva já planeada (cerca de 12 mil metros quadrados cedidos pelo Lar da Tranquilidade).
Também em 2005 (no dia 1 de Agosto), o professor Neca fez a sua palestra. "Disse aos jogadores que o objectivo do clube era não descer de divisão, que o clube baixara o orçamento em 30 por cento. E que se esta equipa no dia 7 de Maio não estiver entre as duas melhores será uma frustração completa para mim", contou ao PÚBLICO. O Aves é a equipa com mais vitórias fora (sete), a mais concretizadora entre os três primeiros (46 golos), está há ano e meio sem perder em casa ("Desde que cheguei cá", anota Neca), viu apenas dois cartões vermelhos (um directo), nos 18 melhores marcadores da Liga de Honra não está nenhum do Aves, que foi a última equipa da Honra a sair da Taça de Portugal. "É uma equipa na sua total acepção da palavra. E um sério candidato à manutenção".
O Aves tem um campo de treinos pronto a avançar, tem a cobertura das bancadas projectada, tem cerca de 30 por cento da população mobilizada, tem um treinador "culto, honesto, com uma capacidade de futebol acima da média, humilde" ("É como se fosse um pai a meu lado. Honestamente, é isso!", descreve o presidente), tem uma palavra a dizer na questão do busto ao treinador-herói ("O busto será colocado porque as promessas são para cumprir. É apenas uma questão de timing"). Tem tudo.
CLUBE DESPORTIVO
DAS AVES

Ano de fundação 1930Presidente: Joaquim Pereira
Palmarés: campeão nacional da II Divisão B (1984-85)
Orçamento (2005-06)
750 mil euros
Estádio Clube Desportivo das Aves (12 mil espectadores)
Sócios: três mil

EQUIPA TÉCNICANeca (treinador)
Vitinha (treinador adjunto)
Miguel Marques (preparador físico)

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