A primeira vez que Portugal escolheu o seu governo

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Há 30 anos, o país votava nas primeiras eleições legislativas do regime democrático DR

Foram as primeiras eleições para a escolha de uma Assembleia Legislativa, da qual sairia o Governo. No dia 25 de Abril de 1976 - há precisamente trinta anos -, o país votava nas primeiras eleições legislativas do regime democrático.

A Constituição estava feita, estavam marcadas outras eleições para a escolha do Presidente da República, os discursos políticos eram dominados por temas como a revisão dos poderes do Conselho da Revolução, a reforma agrária ou as nacionalizações.

Mário Soares - o vencedor da noite eleitoral cujo centro de apuramento estava instalado na Fundação Gulbenkian, em Lisboa - teve votos suficientes para constituir a sua equipa, que se conseguiu manter em funções até Janeiro de 1978. Pelo meio atravessou 12 posses e remodelações.

O líder-fundador do PS formou, em coligação com o CDS, um segundo Governo que já só se aguentou meio ano no poder. A legislatura terminou com dois Governos de iniciativa presidencial, tendo o primeiro à sua frente Nobre da Costa e o segundo Mota Pinto.

As quebras do PS e do PSD

Foi nas eleições de 1976 que começou a queda do Partido Socialista, que levaria à perda do poder em 1979. O partido de Mário Soares fora o mais votado na Assembleia Constituinte de 1975 e voltou a sê-lo nas legislativas seguintes. Os 106 mandatos obtidos representaram uma quebra quando comparados com os 115 conseguidos no ano anterior. Ainda assim, Mário Soares comentou os resultados classificando-os como "a maior prova de bom senso do povo português".

Jorge Gaspar, na sua colectânea de artigos Geografia Eleitoral, Volume 1, explica esta quebra eleitoral com o abandono do "voto útil" naquele partido realizado antes pelo eleitorado mais conservador. Outra alteração detectada por Jorge Gaspar nestas eleições foi o "avanço do PS ao Norte nas áreas mais industrializadas".

O eleitorado socialista foi associado "na escala geral do país a uma "nova pequena burguesia urbana", ao mesmo tempo que conseguia manter um eleitorado significativo no proletariado industrial".

O PPD seria outro partido a registar uma quebra no voto expresso. Os 26 por cento de 1975 desceram para pouco mais de 24 por cento um ano depois. Perderam nove assentos no plenário. Segundo Jorge Gaspar, esta perda do PPD podia também ser explicada pelo fim de um certo "voto útil" mais conservador.

O peso do voto dos retornados e dos emigrantes

A maior subida eleitoral foi conseguida pelo CDS. Dos sete por cento e 16 parlamentares de 1975 passou para os mais de 15 por cento e 41 assentos. Tornou-se na terceira força política em São Bento, destronando o PCP. Jorge Gaspar assinal como "tendência evolutiva", "uma melhor definição dos eleitores conservadores, sobretudo nas áreas urbanas e mais progressistas, abandonando o voto útil no PS e mesmo no PPD".

Para a percepção destes resultados tem ainda que se ter em conta outro factor determinante: a chegada de 600 mil retornados das antigas colónias portuguesas. Jorge Gaspar assinalou "o crescimento do número de eleitores em comparação com o ano anterior", mas explicou-o de outra forma: "Alto número de inscrição de emigrantes. O estudioso adianta que o "número de inscritos nas circunscrições fora do país subiu de 21.910 para 105.709". Os emigrantes - um grupo tendencialmente mais conservador no voto - passaram a ser representados não por um mas por quatro deputados.

O escrutínio seguinte resultaria num dos mais importantes resultados eleitorais do CDS com a ascensão ao poder, juntamente com o PSD, na coligação AD.

Para Jorge Gaspar, PPD e CDS "tinham um eleitorado semelhante". Os dois partidos encontraram "adesão na população agrícola de todo país, com maior incidência na burguesia do Norte e Centro e uma presença flutuante na pequena burguesia urbana e rural".

PCP herda eleitores do MDP

O PCP iniciava nestas eleições uma subida que se manteria durante mais alguns anos. Passou de 30 para 41 deputados, resultante de um aumento de dois por cento, graças aos 80 mil votos extra conseguidos nesse ano.

Jorge Gaspar assinala uma "concentração de votos à esquerda do PS" de que o PCP saiu mais beneficiado devido à saída de cena do MDP-CDE. Começava a desenhar-se a área de influência dos comunistas no país. Jorge Gaspar detectou "uma polarização mais visível entre as áreas latifundiárias do Sul e da cintura industrial de Lisboa à volta do PCP". De acordo com Jorge Gaspar, o PCP "recebia apoio maioritário do proletariado agrícola e industrial embora tal não se verificasse de forma equitativa pelo país".

A subida do PCP seria ainda mais relevante nas eleições de 1979, ultrapassando a importante barreira do milhão de eleitores. Foi nessa legislatura que conseguiu o seu maior grupo parlamentar, de 47 deputados.

A UDP seria a única das forças mais à esquerda a conseguir eleger um deputado. A entrada em São Bento começava a estreitar-se. No entanto, notava-se já, de acordo com Jorge Gaspar, um aparente desperdício de votos a esquerda devido à proliferação de formações políticas. "A esquerda perde 200 mil votos, sem qualquer deputado eleito, devido à grande dispersão entre pequenos partidos, onde os mais importantes eram a UDP e a FSP."

O início da tendência para o abstencionismo

A abstenção nessas eleições registou uma subida significativa quando comparada com as eleições para a Constituinte. Os 83 por cento de votantes representaram uma quebra na afluência às urnas registada um ano antes, quando a abstenção se ficou pelos oito por cento. As legislativas seguintes, de 1979, registariam uma descida na abstenção, que se ficaria pelos 12 por cento. O valor registado em 1976 foi justificado por alguns estudiosos pelo cansaço de três eleições no mesmo ano: as legislativas, as presidenciais e as autárquicas.

As legislativas de 1976 foram as que resultaram no maior número de deputados eleitos para São Bento. Nesse ano, tomaram posse 263 parlamentares, mais 14 que na Assembleia Constituinte de 1975 e menos 13 que nas eleições seguintes de 1979. Actualmente, o número de deputados eleitos cifra-se nos 230.

De então para cá, houve uma tendência que se manteve. O grosso dos eleitos eram advogados ou juristas. A diferença estava nos operários industriais. De acordo com o estudo de Mário Bacalhau, Atitudes, Opiniões e Comportamentos Políticos dos Portugueses: 1973-1993, "nas quatro primeiras legislaturas" os operários industriais eram 15,8 por cento dos eleitos.

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