O sucesso de Moretti e do seu Caimão

Nas últimas semanas o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, ganhou novo nome nas páginas dos jornais. Normalmente referido pelo título Il Cavaliere, passou a ser também Il Caimano, título de um filme de Nanni Moretti que se estreou a uma semana do fim da campanha. "Foi uma coincidência. Nanni leva tempo a macerar. Há sempre um período de dois, três anos de pesquisa, escrita e trabalho sobre a ideia", garante Heidrun Schleef, argumentista alemã que passou em Roma quase metade da vida e que teve com O Caimão a segunda parceria com Moretti. "Sim, claro, a ideia é sua. Queria fazer um filme sobre Berlusconi que fosse também um filme sobre o cinema", explica. "Depois, bem, depois as coisas evoluíram, a história ganhou humanidade, várias personagens, eu estava a separar-se, entrou o tema do divórcio", descreve. Mas O Caimão é sobre Berlusconi, não haja dúvidas. Há um produtor arruinado que está no meio de um processo de separação. Uma rapariga que o procura com um guião sobre Berlusconi. E um actor, interpretado por Moretti, que começa por recusar interpretar o Cavaliere porque quem "quer saber já sabe tudo".
A ideia pode ter três anos, a data de estreia pode justificar-se com o calendário do festival de Cannes, onde o filme estará, mas o filme foi facto político. E polémico. Moretti é um cineasta mas também é um símbolo anti-Berlusconi. A direita falou em "campanha de demonização" e pediu mesmo que parassem de fazer "obras que incitam ao assassínio". A esquerda manifestou o desejo de que o filme não se transformasse num boomerang, beneficiando o objecto de denúncia. "Os italianos tem memória curta. Não faz mal serem recordados de algumas coisas perto do momento de votar", diz Heidrun Schleef.
O Berlusconi do filme tem problemas com a justiça. Condenado por corrupção, apela aos cidadãos que se revoltarem contra a justiça. O Caimão acabou por ser uma comédia, mesmo porque "Nanni queria fazer uma coisa diferente, depois de o Quarto do Filho", e está a ter um enorme sucesso.
"Foi um trabalho gigantesco de pesquisa. Poucas vezes trabalhei com tanta documentação", conta a argumentista. "É incrível que nunca ninguém tenha feito um filme sobre Berlusconi. Temos aqui um objecto cinematográfico tão rico e ninguém pega nele?", questiona. "Mesmo que Berlusconi perca, o dano já está feito. Houve censura. Pessoas que foram corridas da televisão. A baby sitter do meu filho só fala de reality shows, e o meu filho nasceu na Itália de Berlusconi. A democracia foi posta em causa e não sei como é o que país pode recuperar", acusa a alemã, sentada na sala da casa onde vive em Roma, cidade onde chegou há 20 anos. "Sim, sou italiana." S.L., Roma

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