Arte de coração a coração no Museu em Serralves

Uma antológica dedicada a António Dacosta, acompanhada por obras dos seus amigos artistas, e novos projectos de Pedro Morais são as novas propostas do Museu de Serralves

O Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, inaugura hoje três exposições: António Dacosta, Amigos Da Costa e Pedro Morais. Comissariadas pelo director da instituição, João Fernandes, estas são mostras que permitem diferentes abordagens do fazer artístico, nomeadamente questões relacionadas com a pintura. Há ainda a coincidência de as obras agora apresentadas terem sido realizadas por nomes que, de alguma forma, conviveram no exílio, sobretudo em Paris, nas décadas de 1960 e 70, uma época na qual, no nosso país, se vivia sob um regime ditatorial.A mostra antológica dedicada a António Dacosta (ver edição de amanhã do suplemento Mil Folhas) toma como ponto de partida o regresso à pintura deste fundador do surrealismo português - embora sejam apresentadas algumas obras não só desse período, mas também realizadas em anos anteriores. Esse momento determinante da sua obra, inclusive no sentido da autonomia desta relativamente ao movimento de André Breton, dá-se em meados da década de 1970. Afirmação de um mundo feito de episódios e memórias pessoais, o percurso do artista dá-se assim a ver numa exposição onde se integram alguns cadernos, manuscritos e outros objectos pessoais.
Paralelamente à exposição de Dacosta, João Fernandes organizou uma colectiva com trabalhos criados por amigos do pintor açoriano. Amigos Da Costa reúne obras de muitos dos artistas que conviveram com o surrealista durante a sua estada em Paris, entre 1947 e 1990. Nos quartos de hotel e casas que habitou (a da Rua de Saints e depois a de Janville, no Sul da capital francesa), nasceu e foi-se solidificando uma comunidade informal; um grupo de "estrangeirados" que se reunia para comer, beber e conversar acerca da arte e da vida.
Na mostra, quase toda formada por peças da colecção de Serralves, pode destacar-se uma série de trabalhos realizados, em meados dos anos 1960, por Lourdes Castro com recurso a pratas de chocolate - nesta série encontra-se também uma obra na qual se pode ler um excerto do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos. Os restantes nomes representados são: René Bertholo, Pedro Morais, Costa Pinheiro, Júlio Pomar, Paula Rego, João Vieira, Manuel Zimbro e Raymond Hayns. Este último constitui uma excepção. Dacosta não o conheceu, mas, nas obras seleccionadas, "apresenta paralelismos curiosos que poderão igualmente propiciar novas leituras sobre o tempo de Dacosta junto dos seus contemporâneos", diz João Fernandes.

Percurso à margem das galerias
A terceira mostra que é hoje inaugurada reúne dois projectos de Pedro Morais (Lisboa, 1944). Actualmente professor na Escola Secundária António Arroio, em Lisboa - onde, durante anos, orientou o célebre Atelier Livre -, este é um dos nomes mais secretos e influentes da arte portuguesa actual, num percurso feito à margem de galerias, onde se recusa expor, e instituições museológicas.
No Parque de Serralves, na Alameda dos Liquidâmbares, Pedro Morais propõe com Locus Solus III, título inspirado no livro homónimo de Raymond Roussel, um instante de meditação; trata-se de um lugar solitário, uma pintura a três dimensões, uma arquitectura civil, um corredor de cal pintada e água corrente, que sublinha a necessidade de uma atenção permanente à respiração, ao mundo.
O desejo de um encontro a dois, entre mestre e discípulo, está presente numa outra obra revelada na capela da Casa de Serralves: Dokusan III, "uma lâmina de grandes dimensões - cópia de um sabre de samurai - sobre a qual se projecta a anamorfose de um desenho de 10 pontos provenientes de um outro lugar e de uma outra situação vivida". Por aqui passa respiração e diálogo, esse instante secreto, "de coração a coração", tão fecundo na filosofia zen, esse espaço de iluminação.

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