Guias áudio conquistam museus

Primeiro foi a Culturgest, seguiu-se Serralves e no mês que vem será a Gulbenkian. A moda das visitas a museus e galerias acompanhadas por um aparelho áudio chegou a Portugal

"Não se sente ameaçado? Com receio que tudo desabe?" Duas perguntas feitas pela voz feminina dos guias áudio da Culturgest, uma novidade oferecida aos visitantes na exposição da artista espanhola Angela de la Cruz, em Lisboa. Com o pequeno aparelho mp3 pendurado ao pescoço e os auscultadores nos ouvidos, percorre-se em 32 minutos e 49 segundos a exposição da Culturgest. As perguntas são feitas perante a obra Clutter Wardrobes (2004), em que quatro armários se amontoam uns sobre os outros. O guia áudio explica-nos que "esta peça contesta de modo particular a experiência segura e pacificadora do contacto com a obra na galeria". Ficamos também a saber que Angela mede apenas 1,53 metros.
Os guias áudio começaram a ser utilizados na Culturgest a 10 de Fevereiro. Mas a instituição lisboeta já não é a única a propor aos visitantes esta inovação. A Fundação de Serralves, no Porto, começou a oferecê-lo a 28 de Fevereiro, ainda numa fase experimental. Vai seguir-se o Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, já em Abril ou Maio.
"Há razões para as exposições de arte contemporânea terem poucas pessoas. Ela é enigmática, utiliza códigos de linguagem que não são acessíveis", diz Miguel Lobo Antunes, vice-presidente da Culturgest, explicando a razão por que introduziu os guias. "É normal ouvir as pessoas dizer que se sentiram parvas numa exposição. Como não gostam de se sentir parvas rejeitam o artista."
Na Fundação de Serralves, no Porto, os guias áudio começaram a ser utilizados para dar ao visitante informação sobre o património arquitectónico - o museu de Siza Vieira, a casa arte déco e o parque -, que não estava disponível para o visitante.
Ao mesmo tempo, as visitas áudio são também testadas por Serralves na exposição temporária O Poder da Arte, na Assembleia da República, em Lisboa, mas só entre o público mais reduzido dos deputados. Nas exposições temporárias do museu, porém, ainda não há data para o serviço entrar em funcionamento.
Odete Patrício, directora-geral da fundação, diz que em Serralves estão ainda numa fase experimental, porque é mais difícil fazer um texto para ouvir do que se imagina. "Temos de aligeirar algumas coisas. Queremos evitar as paragens, dando uma informação que permita à pessoa fazer apenas umas pequenas pausas." Nas próximas semanas, em Serralves, os guias deverão estar "a 100 por cento".

Pedidos de estrangeirosNo Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, 45 aparelhos, com textos em quatro línguas, vão ser disponibilizados por quatro euros, num investimento de 75 mil euros. "Surgiu a pedido do público estrangeiro e também porque havia disponibilidade do serviço no mercado português", explica João Carvalho Dias, responsável pela coordenação editorial.
João Castel-Branco, director do Museu Gulbenkian, explica que os guias "induzem à descoberta do museu", criando "intimismo" na visita. "A legenda é um método mais passivo do que ouvir alguém que está a falar connosco."
A Gulbenkian está a desenvolver o projecto com a empresa FCo, instalada no Porto desde 1997. "As visitas áudio são padrão na Europa e nos EUA. Começam agora a chegar a Portugal", diz Susana Ferreira, gestora de projecto na empresa.
Os guias áudio, afirma Susana Ferreira, permitem um maior acesso à informação: "O visitante entra muitas vezes num museu e sai de lá um pouco vazio. Não tem informação quase nenhuma sobre o que viu. As placas dos quadros têm muitas vezes só o nome do pintor, a data e às vezes a técnica utilizada."
É também a FCo que está a desenvolver o projecto para o Museu de José Malhoa, nas Caldas da Rainha, que pertence ao Instituto Português de Museus. "Vai ficar concluído este ano. Ainda estamos a trabalhar sobre os textos que propõem acompanhar o visitante com quatro itinerários", conta a directora, Matilde Tomás do Couto.
Nas Caldas, a introdução dos guias áudio passa pela modernização, mais ampla, dos serviços educativos: "Queremos requalificar a visita do público. Os guias áudio permitem um acompanhamento individualizado e aproximar as pessoas da colecção."
A FCo já desenvolveu visitas áudio para centros históricos, como o de Évora, ou o sítio arqueológico de Panóias (ver caixa). É também a empresa que está a terminar os guias para o Museu da Pólvora Negra, em Barcarena (Oeiras). São "ferramentas pedagógicas", diz Teresa Tomás, coordenadora do núcleo de museologia da Câmara Municipal de Oeiras. O objectivo é "fidelizar" públicos antigos e "captar" novos. "É uma forma do visitante poder explorar à sua maneira tanto o museu como o exterior. Não ter que estar sujeito a uma visita dialogada."
Na segunda-feira, o Museu Municipal de Vila Franca de Xira começa também a disponibilizar visitas com 36 guias áudio, num investimento totalmente feito pela câmara.
Clara Camacho, subdirectora do Instituto Português de Museus (IPM), diz que esta "é uma tendência emergente, bastante recente". Os primeiros casos de que tiveram conhecimento em Portugal foi em 2004, através dos pedidos de financiamento à Rede Portuguesa de Museus e ao Programa Operacional da Cultura (POC). "O que significa que começaram agora a ser executados e em fase de teste."
A Rede Portuguesa de Museus vai apoiar o financiamento dos guias no Museu do Carro Eléctrico, no Porto, um projecto que foi aprovado na semana passada. O POC, cuja assessoria técnica é feita pelo IPM, apoiou os guias de Serralves, Caldas e Barcarena.
O objectivo dos museus, segundo a subdirectora do IPM, é diversificar as possibilidades da visita: "É mais do que é oferecido pela museografia da sala de visitantes. E pode construir-se uma visita sem precisar de apoio humano."

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