Terror japonês foi brincadeira de Carnaval

Na noite de segunda para terça, houve J-Horror. Mas One Missed Call 2 não passou de uma entretida aula de japonês

Kim Ki-duk não é japonês, Renpei Tsukamoto não é primo de Shinya Tsukamoto, One Missed Call 2 não passa de um acumular de chamadas perdidas em One Missed Call, Takashi Miike não tem nada a ver com isto. A primeira dose de J-Horror - o rótulo identifica os filmes de terror produzidos no Japão a partir de meados dos anos noventa - desta edição do Fantasporto foi uma espécie de livro de instruções sobre como identificar um exemplar dessa tendência. "Estão a abusar da matriz", concluiu Nélson Silva, um dos espectadores das noites longas do festival.
Aconteceu de segunda para terça-feira, noite de Carnaval. Às 23h30 em ponto. One Missed Call 2, um franchise pensado por Renpei Tsukamoto, tem tudo para ser um filme do género, mas o problema é que tem mesmo tudo para ser um filme do género. Crianças vingativas, pessoas com amigos invisíveis, telemóveis amaldiçoados (cassetes de vídeo, computadores, livros e jornais também servem) e um novelo de histórias elípticas. E um casting a preceito: rapazes normais (assustadiços, de preferência), raparigas com cabelo comprido e escorrido, curso completo de contorcionismo e goelas dilatadas. "Está na moda", apontou, ainda antes de entrar na sala do Rivoli, Nélson Silva, um consumidor que começou a ver J-Horror na altura certa graças a Hideo Nakata (The Ring, 1998) e Takashi Shimizu (Juon, 2002), os grandes responsáveis pela criação desta subcategoria de terror. "Já é muito para adolescentes". Aceita-se o veredicto.
A maioria dos especialistas nem perdeu tempo com o subproduto One Missed Call 2. Os outros - os interessados - riram-se com a inteligência de The Fan and the Flower, curta de Bill Plympton, e riram-se também com o filme de Renpei Tsukamoto, mesmo que ele não fosse para ter piada. Porque "foi confuso desde o início", como anotou Jorge Pais (depois de olhar para o telemóvel e perceber, aliviado, que não tinha nenhuma chamada perdida), porque não passou de "suspense mais suspense muito ao género Hollywood", acrescentou Nuno Coelho (só foi porque encontrou o letreiro "esgotado" no filme japonês IKU, de Shu Lea Cheang, que passou no Pequeno Auditório), ou apenas porque "só era nojento", segundo a versão de Ana Conlelas, claramente a atracção principal da noite: assistiu ao filme disfarçada de Noiva Cadáver - bruxas e outros demónios também ajudaram a preencher a plateia.
Apesar dos esforços, na sala não se assistiu a nada verdadeiramente assustador. Às tantas, One Missed Call 2 tinha-se transformado num Su Doku de grau de dificuldade máximo. Quem é a Kyoko? A Mimiko faz ou não parte deste filme? Renpei Tsukamoto quis fazer uma sequela ou o 2 é só para enganar? "Não percebi os nomes e o penteado não ajuda... será que eram irmãs? Não consegui quebrar o código, aqui não existe a fórmula clássica que diz que os protagonistas salvam-se se conseguirem decifrar o código. Gostei principalmente dos telemóveis cheios de bonecos e de as personagens tirarem os sapatos antes de entrar em casa", destacou Alice Azevedo, mais do género Miyazaki. "Também gosto do Kim Ki-duk. Não é japonês..., mas é asiático".
Kim Ki-duk já era o realizador "japonês" mais citado no hall do Rivoli. Em 2005, Alice passou 15 dias no Japão, onde aprendeu a dizer arigato e mais meia dúzia de palavras. Ficou provado que o "Fantas" pode ser outro curso intensivo. Lá dentro repetiram-se em voz alta expressões como watashi wa ou shiri-masen - como na escola. Lá fora, "sim" já era hai e até houve quem atendesse o telefone "à japonesa", com um enérgico moshi-moshi.

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