O Barbeiro de Sevilha regressa hoje ao São Carlos

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Emilio Sagi, encenador de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, que se estreia hoje no São Carlos, idealizou uma acção a preto e branco DR (arquivo)

O Barbeiro de Sevilha, a mais famosa das óperas cómicas de Rossini, regressa esta noite, às 20h, ao palco do Teatro Nacional de São Carlos numa co-produção com o Teatro Real de Madrid. A encenação é do espanhol Emilio Sagi, que pretendeu conceber "um espectáculo tão dinâmico, tão positivo e com tanta energia como a música de Rossini".

Sob a direcção musical de Jonathan Webb, O Barbeiro de Sevilha terá oito récitas repartidas por dois elencos distintos: Marius Brencius, Bruno Praticò, Kate Aldrich, Franco Vassallo, entre outros (nos dias 8, 10, 12, 14 e 16); Mário João Alves, Filippo Morace, Natalia Gavrilan e Luís Rodrigues (nos dias 9, 11 e 15).

Com libreto de Cesare Sterbini, baseado na comédia homónima de Pierre-Augustin de Beaumarchais, O Barbeiro de Sevilha conta as peripécias do Conde Almaviva, apaixonado pela bela Rosina, uma jovem órfã pupila do Dr. Bartolo, que também pretende casar com ela. Para conseguir os seus intentos, o Conde terá o auxílio do astuto Barbeiro Fígaro, que o conduz aos mais variados disfarces e artimanhas para a poder cortejar.

"Queria que toda a encenação nascesse da música", explicou ao PÚBLICO Emilio Sagi, antigo director do Teatro Real de Madrid e detentor de um amplo currículo na encenação de ópera italiana oitocentista e da zarzuela. "Quando a orquestra inicia a abertura o palco está vazio. É à vista do público que se monta o cenário por bailarinos vestidos de Rossini, uma espécie de clones de Rossini!"

Emilio Sagi manteve a acção no século XVIII, mas não procurou uma abordagem realista. "É um século XVIII visto a partir de hoje, um pouco revisitado, estilizado. As óperas de Rossini estão próximas do teatro do absurdo. Não devemos tentar ser realistas. As situações são sempre um pouco disparatadas, quase surrealistas. A sua forma de conceber o teatro está próxima do teatro contemporâneo, permitindo ao encenador fazer milhares de diabruras!"

Outra particularidade da encenação é que tudo vai começar a preto e branco ganhando cor no final. "Em quase todas as obras de Rossini há uma tempestade. Usei essa tempestade como forma de clarificar. A Tempestade é uma chuva de cores e todas as personagens aparecem vestidas com cores fortes na festa que celebra o amor entre Rosina e o Conde. A cor surge porque tudo se soluciona e acaba bem."

Na opinião de Sagi, Rossini e o seu libretista "captaram muito bem o espírito de Beaumarchais na personagem de Fígaro e nos apaixonados jovens que procuram um novo mundo com novas regras (com valores diferentes dos que defendem os antiquados D. Bartolo e D. Basílio)". As personagens favoritas do encenador são Berta, "a criada que está sempre a protestar", e Rosina, "uma mulher rebelde que não está contente com o seu status": "Rosina sente-se presa naquela casa. Gosto muito dessa rebeldia de uma mulher feita que é tratada como uma menina."

Escrito no incrível período de três semanas, O Barbeiro de Sevilha põe em cena personagens concebidos a partir dos paradigmas sociais decorrentes da Revolução Francesa, que se entrelaçam numa teia de peripécias plena de ironia. A sua densidade humana foi muitas vezes apagada por encenações da obra simplistas ou estereotipadas, tal como a música seria ao longo dos tempos deturpada por alterações que tinham em mente a exibição virtuosística dos cantores ou "o culto do mais agudo" (por exemplo o papel de Rosina escrito originalmente para contralto foi sendo adoptado por sopranos cada vez mais agudos).

"Felizmente tem-se assistido a uma mudança de atitude nos últimos anos com as investigações do Instituto Rossiniano e a actividade do Festival Rossini, em Pesaro", explica Sagi. "O Festival Rossini tem fomentado a apresentação das óperas de Rossini a partir de novas edições críticas das partituras (sem os erros decorrentes de uma tradição mal entendida) e a divulgação das óperas menos conhecidas. Há muito mais Rossini para descobrir para além das obras mais populares. Por exemplo La Pietra del Paragone, L"Equivoco Stravagante ou Ermione são óperas maravilhosas que se fazem muito pouco."

Um fiasco convertido em sucesso

O Barbeiro de Sevilha tem sido das óperas mais representadas no Teatro de São Carlos, onde foi programada em cerca de 70 temporadas após a primeira apresentação em Lisboa em 1819, quatro anos depois da estreia mundial em Roma, no Teatro Argentina. Curiosamente, a primeira representação italiana (sob a designação Almaviva, ossia l"inutile Precauzione para evitar repetir o título da ópera de Paisiello composta em 1782) foi um fiasco. O empresário promotor do espectáculo, o duque Sforza-Cesarini, tinha morrido alguns dias antes e a récita foi plena de incidentes, para além das interrupções dos adeptos de Paisiello, cuja versão do Barbeiro gozava de imenso sucesso. Mas nos anos seguintes a popularidade da obra de Rossini cresceu muito, estendendo-se a várias cidades europeias, entre as quais Londres (onde o Barbeiro foi interpretado 22 vezes entre Março e Abril de 1818), Paris, Berlim, São Petersburgo ou Lisboa, onde Rossini foi um campeão de audiências durante os anos 20 do século XIX.

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