Duas vozes separadas por um Entretanto..., na Casa Conveniente

Ana Ribeiro e Mónica Garnel estreiam dois monólogos simultâneos em dois espaços diferentes

Dois monólogos decorrem em simultâneo. Duas vozes em dois espaços diferentes. Uma sala e um jardim, separados por degraus e paredes. À chegada, o público divide-se: uns seguem para o cenário inferior, outros ficam no piso térreo. Num intervalo, reencontram-se e trocam de posições, e é desse "meio-tempo" que nasce Entretanto..., peça de (e com) Ana Ribeiro e Mónica Garnel, em estreia hoje na Casa Conveniente, em Lisboa.Há um intervalo mas não há uma primeira nem uma segunda parte. Há dois textos independentes, ao mesmo tempo, feitos de "palavras roubadas" de Brecht, Mário de Sá-Carneiro, Alexandre O"Neill, Herberto Helder e Márcia Cardoso, ditos pelas actrizes, duas vezes na mesma noite, a públicos diferentes. A ordem com que aparecem ao espectador é ditada por uma casualidade à entrada, que as autoras preferem que seja uma surpresa.
"Entretanto... nasceu da nossa vontade de falar e agir para um público", explica Mónica Garnel. "Queremos provocar um desencontro para que haja um reencontro nesse "entretanto", uma espécie de intervalo onde cada um pode fazer o que quiser."
"Nasceu ainda do desejo de experimentar ambientes diferentes e experiências de representação individuais mas simultâneas", acrescenta. Sobre inquietações, sensações, medos, "modos de ir fazendo pela vida", os monólogos - cada um com uma duração de 20 minutos - são habitados por textos densos de imagens e de interrogações, alguns reconhecíveis pelo público, como Há Palavras que nos Beijam, de Alexandre O"Neill, ou com passagens incisivas como "a vida sem viver é mais segura", do mesmo poeta.

"Viver sem viver é mais seguro"
"Fizemos uma montagem de textos que, não sendo nossos, sentimos como nossos", conta Ana Ribeiro. "Neles abordamos questões e fazemos críticas mas incluindo-nos a nós. Também vivemos nesta vida", comenta. A tal onde "viver sem viver é mais seguro". No piso térreo, o público tem de atravessar um "jardim" de flores de papel para chegar à plateia. Fechada numa espécie de bengaleiro com dois metros de altura por um de largura, Mónica Garnel dá vida a uma dezena de personagens, só com o rosto e a voz: da secretária que dactilografa indiferente a quem se lhe dirige ao povo descontente ou ao político que promete uma revolução. Antes de se despedir com uma música de Sérgio Godinho, deixa-nos com a história do homem que tinha tanta alegria que partia os copos com os dedos.
Com esta imagem - se for esta a ordem -, o público chega ao piso inferior, onde é convidado a sentir-se em casa e a partilhar uma garrafa de vinho em copos que não se partem com a alegria. As tradicionais cadeiras dão lugar a confortáveis sofás e a música ambiente insinua-se, como os movimentos de Ana Ribeiro, que termina: "Vamos experimentar um grito contra o silêncio?"
"O que estas duas abordagens têm em comum, sendo tão diferentes na forma de as fazer, é a forma como estamos na vida e a vamos fazendo", considera Mónica Garnel. "As questões são as mesmas mas colocadas de forma diferente: enquanto num cenário são levantadas, noutro acontecem."

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