Torne-se perito

NEVOU EM LISBOA, 52 ANOS DEPOIS

Cortou estradas e auto-estradas, provocou acidentes, bloqueou automóveis e telemóveis, e fechou alguns portos. Caiu em Lisboa, onde não nevava há 52 anos, cobriu o Templo de Diana, em Évora, a serra de Monchique, no Algarve, ou a praia da Figueira da Foz. A neve caiu ontem um pouco por todo o país como já não caía há décadas. A neve deve-se a uma massa de ar muito fria, associada a uma depressão com precipitação. Por Ricardo Dias Felner

Algumas pessoas não acreditavam no que estavam a ver. "É chuva, mas parece neve", dizia uma mulher, à saída do Centro Comercial Colombo, cerca das 15h30. "É mesmo neve, mãe!", corrigia a filha, estupefacta, olhando os flocos à sua frente caindo serenamente sobre um assador de castanhas. Aos poucos, os utentes do estabelecimento, apinhado de gente, iam-se aproximando das portas envidraçadas, narizes colados aos vidros. Muitos agarravam nos telemóveis, sorrindo, como se estivessem a assistir a um espectáculo bizarro. "Não vais acreditar, está a nevar em Lisboa", exclamava um homem, uns 70 anos de idade. "Juro, está a nevar a sério... sim, sim, lembro-me... a última vez foi há mais de 40 anos."
As reacções de entusiasmo percorreram a cidade em poucos minutos, onde não nevava há 52 anos. Às janelas dos prédios, enfrentando 0 graus centígrados, acorriam moradores com máquinas fotográficas. Em frente aos cafés e aos restaurantes, grupos de pessoas juntavam-se debaixo dos toldos, comentando o fenómeno raro.
A grande expectativa era saber se os flocos chegariam para cobrir a cidade de branco. "Não está a agarrar à estrada", atestava um taxista, descrente: "Tem chuva pelo meio e ela desfaz-se logo". Minutos depois das 15h30, confirmava-se o prognóstico. Com o fim da neve, os flocos que enfeitavam alguns carros em determinadas zonas da cidade - na Avenida do Brasil, na Bobadela, em Telheiras e em Odivelas - desfaziam-se em água. O imaginário de uma "Lisboa branca", com famílias a atirar bolas de neve e crianças construindo bonecos nos jardins públicas, esvanecia-se definitivamente.
A repetição do nevão do dia 2 de Fevereiro de 1954 fora apenas uma miragem. Às 16h00, a população voltava às compras. Voltava aos centros comerciais. A neve fora apenas uma fotografia fugaz e bonita. Uma recordação emocionante.
"Estava em casa e fui à janela. Fiquei comovida. Sempre tive esperança de ver neve em Lisboa e isso aconteceu agora", comentava uma rapariga de 26 anos, às compras no Monumental, aduzindo: "Foi pena que não desse para se amontoar na rua. Foi isso que fez com que as pessoas não saíssem de casa. Não dava para fazer bolinhas". O entusiasmo dos lisboetas contrastava com a reacção dos estrangeiros. No Saldanha, dois estudantes, um holandês e uma norte-americana de Washington, mais do que a neve, concentraram-se no comportamento dos locais. "Nós estamos habituados a neve a sério. Mas teve piada ver os portugueses a olhar para o céu. Ficavam parados, não saíam dos seus abrigos. Parecia que tinham medo da neve".

Quinze concelhos do distrito afectados
Noutras regiões do concelho de Lisboa, contudo, a meteorologia chegou a causar perturbação. De acordo com o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, citado pela agência Lusa, durante a tarde de ontem, nevou em 15 concelhos do distrito de Lisboa. Nomeadamente em Alenquer, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Bombarral, Cadaval, Torres Vedras, Vila Franca de Xira, Sobral de Monte Agraço, Mafra, Loures, Lourinhã e Sintra.
E se é certo que, nestas localidades, as populações chegaram a brincar nas ruas, registaram-se também alguns problemas de mobilidade. A Auto-Estrada do Oeste (A8) esteve cortada ao trânsito entre os nós do Bombarral e de Torres Vedras, desde as 13h45 até a meio da tarde. Na A1, a Brisa entendeu também bloquear o tráfego a partir de Aveiras de Cima até Pombal durante toda a tarde (ver texto ao lado).
Segundo a Protecção Civil, não se verificaram contudo acidentes graves devido ao tempo, tendo a situação mais complicada no distrito acontecido perto do Cadaval. Na serra de Montejunto, dezenas de pessoas ficaram bloqueadas pela neve dentro das suas viaturas, tendo sido resgatadas por bombeiros e militares.
A meio da tarde, o comandante dos Bombeiros do Cadaval, José Carlos Caetano, confirmava à agência Lusa que se encontravam "dezenas viaturas ao longo da serra, algumas delas com pessoas lá dentro", que foram "recolhidas por jipes dos bombeiros".
Ao final do dia, a depressão que se dirigiu de norte para sul já atravessou finalmente a região de Lisboa, registando-se uma diminuição da intensidade da chuva e do vento, mas com as temperaturas muito baixas, prenunciando graus negativos para o período da noite.

Sugerir correcção