Torne-se perito

"Pelo menos dois hospitais psiquiátricos podiam fechar já"

A reforma da saúde mental está em marcha e também passa pelo encerramento de hospitais psiquiátricos. A secretária de Estado Carmen Pignatelli fala de "resistência" dos profissionais do sector

O Governo vai anunciar ainda no primeiro semestre do ano o encerramento de alguns dos seis hospitais psiquiátricos existentes no país. A secretária de Estado adjunta e da Saúde, Carmen Pignatelli, adianta que os estudos preliminares feitos até agora permitem concluir que "pelo menos dois hospitais psiquiátricos podiam fechar já, sem prejuízo para os doentes". Os estudos estarão concluídos dentro de meses, mas o encerramento pode levar dois a três anos a ser concretizado, explica; e os hospitais psiquiátricos que se mantiverem poderão ser reconvertidos para incluir outras valências. A funcionar há neste momento seis: o Júlio de Matos e o Miguel Bombarda, em Lisboa; o Magalhães Lemos, no Porto; o Lorvão, o Sobral Cid e o Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes (para inimputáveis), na zona Centro. Os cinco primeiros dispunham, em 2004, de um total de cerca de 1500 camas.
Sem especificar quais as instituições a encerrar, a governante explica que poderá haver transferência de doentes para outras unidades psiquiátricas; noutros casos, os doentes podem passar a receber cuidados de maior proximidade e qualidade nos departamentos de psiquiatria dos hospitais gerais.
A evidência diz que a depressão vai ser a epidemia do século XXI e "não são hospitais psiquiátricos que tratam essas pessoas - elas podem ser bem tratadas em hospitais gerais", sem o problema do estigma, defende a secretária de Estado. Ao mesmo tempo, com o encerramento, será possível "redistribuir profissionais de saúde essenciais para o sistema, porque temos carência deles".
Carmen Pignatelli diz ainda que, para descentralizar serviços, foram nos últimos anos investidos 20 milhões de euros na criação de serviços de psiquiatria nos hospitais gerais. Mas não nega que os grandes hospitais psiquiátricos têm continuado a atrair médicos, em contradição com as recomendações internacionais, não por decisão política "mas por iniciativa dos hospitais". "Durante muitos anos não houve planeamento da saúde, as decisões ficaram à solta e ao critério de gestão dos hospitais."

Rede de cuidados continuados
Quanto à retirada de doentes que vivem nessas unidades há décadas, a secretária de Estado defende: "Antes de encerrarmos temos de ter a certeza de que os doentes têm resposta de qualidade igual ou superior à do hospital." Além do mais, o fim de alguns destes hospitais "não vai ser decidido sem que haja alternativas", garante.
Peça fundamental da mudança será a criação da rede de cuidados continuados, cujo projecto de decreto-lei está terminado e está a ser estudado pelo ministro da Saúde, acrescenta.
A rede integra um conjunto de unidades de saúde e instituições do sector privado, social, religioso e público que articularão respostas a dar a idosos e pessoas dependentes, como é o caso de alguns doentes mentais. Uma solução passará pelo seu encaminhamento para instituições de internamento de estadia permanente, unidades mais pequenas onde continuarão a receber cuidados médicos.
Espera-se que outro tipo de doentes mentais possa vir a ter apoio domiciliário prestado por centros de saúde ou por instituições privadas ou sociais com as quais o Ministério estabeleça acordos. Já existe, por exemplo, uma experiência dessas no hospital de Viseu: doentes mentais que são acompanhados nas suas casas, o que se revela importante até para a continuação da toma de medicamentos.
Carmen Pignatelli rejeita que a poupança seja "a primeira preocupação da reforma". Prefere falar numa "melhor distribuição de recursos, que são escassos", e questiona: "O que é que os nossos doentes psiquiátricos têm de especial para que não façamos reformas que se fizeram nos outros países há 20 anos?" A resposta é simples, diz: a "instabilidade política" que tem marcado o sector e a "resistência à mudança", nomeadamente por parte parte dos profissionais, que querem manter intactos "os seus territórios".

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