Mil obras do movimento dadá no Centro Pompidou

A exposição recorda o grupo de artistas provocadores e talentosos nascidos da rejeição da I Guerra Mundial e que desbravaram terreno ao surrealismo

Há quase 40 anos que não havia em França nenhuma exposição consagrada ao movimento dadá. O exercício tem fama de ser difícil, dada a efervescência tentacular deste movimento anticonformista das duas primeiras décadas do século XX. Mas o Centro Pompidou resolveu levantar o desafio e torná-lo, até, extremamente ambicioso.A exposição Dadá ilustra de forma histórica e interdisciplinar o que foi uma das manifestações artísticas e intelectuais internacionais mais marcantes do século XX. Nascido em Zurique em 1916, dadá foi mais aparentado a uma revolução do que a um movimento estético, estendendo-se a Paris, Berlim, Holanda, à Bélgica e aos Estados Unidos. Em 1923, o movimento começa a perder a virulência que o caracterizava, e acabaria por se fundir no surrealismo um ano depois. A última sala da exposição é precisamente dedicada ao surrealismo.
O movimento deverá o seu nome a Tristan Tzara, um artista romeno refugiado em Zurique, mas textos da época contam as batalhas épicas entre os artistas dadaístas que reivindicavam a paternidade do nome. O mais importante, porém, é que a denominação foi escolhida para não significar absolutamente nada, como o explica Tzara em 1918, no Manifesto Dadá: "Dadá coloca antes da acção e acima de tudo: a dúvida. Dadá duvida de tudo. Dadá é tatu. Tudo é Dadá. Desconfiem do Dadá."
Tzara explica ainda: "Não reconhecemos nenhuma teoria. Estamos fartos das academias cubistas e futuristas: laboratórios de ideias formais. Fazemos arte para ganhar dinheiro e amaciar os gentis burgueses?" O movimento reuniu, entre outros, Hans Arp, SophieTaeuber-Arp, Raul Hausman, George Grosz, John Heartfield, Max Ernst, Francis Picabia, Man Ray, Marcel Duchamp, Louis Aragon, Hugo Ball, André Breton, Paul Eluard, Tristan Tzara, Hans Richter, Philippe Soupault e Jacques Rigaut.
Em 1916, ainda a carnificina da I Guerra Mundial ia a meio, Zurique era o refúgio dos exilados e dos pacifistas. O movimento dadá despreza com virulência os valores vigentes. A provocação será, de resto, a sua característica principal. O nascimento ocorre oficialmente no Cabaret Voltaire, fundado por Hugo Ball e a sua companheira, Emy Hannings, e a quem se associa Tristan Tzara.
Nesta altura, o futurismo, o cubismo e o construtivismo já tinham despedaçado os sistemas da representação artística, tentando mostrar o que Klee resumia numa frase: "A arte torna visível o invisível." Dadá serve-se com ironia destas diferentes técnicas - colagem cubista, tipografia futurista, geometria construtivista, cor expressionista. Os dadaístas opõem um jogo de acaso e de azar aos métodos sapientes dos artistas sérios. Arp rasga bocados de papel e cola-os na posição em que caíram. Tzara aconselha os dadaístas a fazerem poemas com recortes de jornais tirados ao calha de um saco e copiados na ordem de saída. Marcel Duchamp dizia que o dadá "não era uma homenagem à retina" mas antes "uma atitude, um comportamento".

Interrogar a modernidadePrecursor, o movimento dadá manipula os novos meios de comunicação - rádio, imprensa ilustrada, cinema - e apodera-se da cultura da máquina neste período de progresso industrial, para os submeter a uma crítica mordaz. "A abertura dos actores deste movimento ao mundo moderno exprime-se através de uma interrogação sobre a modernidade", assinala o comissário da exposição, Laurent Le Bon.
O objecto industrial considerado como uma obra de arte, o interesse pelas colagens, a poesia sonora, as performances como vectores da expressão dadaísta, virão a ser, afinal, elementos determinantes na história da arte no século XX.
A exposição em Beaubourg (nome do bairro onde fica situado o Centro Pompidou e pelo qual é muitas vezes designado este centro cultural imenso), conjuga pinturas, esculturas, fotos, colagens, fotomontagens, marionetas, máscaras, cartazes, documentos gráficos, gravações sonoras e filmes. Todos os registos estão representados, ilustrando a variedade de estilos do movimento dadá, que sempre recusou ser uma escola que terminasse em "ismo".
A cenografia original de Jasmin Oezcebi, concebida como um labirinto aberto sem impor uma ordem cronológica ou geográfica, exprime de forma quase física o espírito dadá, deixando o visitante livre de escolher o seu percurso. Até 9 de Janeiro.

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