Direitos de poluição já podem ser comprados e vendidos no país

Comércio europeu
de licenças de emissões põe em prática o Protocolo de Quioto para diversos sectores industriais

Não se vê nada a sair das chaminés. Apenas a torre de refrigeração lança continuamente rolos de fumo branco, o que mais não é do que vapor de água. No entanto, a central térmica está a funcionar, queimando gás natural para produzir electricidade e emitindo para a atmosfera quantidades significativas do invisível dióxido de carbono, o principal vilão do aquecimento global.Aqui no Carregado, na central do Ribatejo, da EDP, a espada do Protocolo de Quioto já começou a pesar. O acordo internacional sobre as alterações climáticas obriga os países desenvolvidos a limitar as suas emissões de gases com efeito de estufa até 2012. Mas milhares de indústrias incluídas no comércio europeu de licenças de emissões - criado por uma directiva europeia - têm de fazê-lo já este ano.
As chaminés da central térmica do Ribatejo, por exemplo, não podem lançar mais do que dois milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, entre 2005 e 2007. Se ultrapassarem este limite, a EDP terá de comprar licenças no mercado. Do contrário, podem vendê-las.
Ontem foi dia de venda. Num acto simbólico, a EDP transferiu licenças equivalentes a 100 toneladas de dióxido de carbono para a central de Sines e mais 100 toneladas para uma termoeléctrica em Espanha. Foi a primeira transacção oficial do comércio de emissões em Portugal. "É um acto simples, mas de enorme significado histórico", disse o ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, numa pequena cerimónia na central do Carregado.
O comércio já estava a funcionar antes, mas informalmente. A partir de agora, as empresas abrangidas no sistema europeu já podem abrir uma conta no Registo Português de Licenças de Emissões e a partir daí fazer as suas transacções.
Em Portugal, há 244 unidades industriais incluídas no sistema. A cada uma o Governo atribuiu gratuitamente um determinado número de licenças de poluição, para cada um dos três anos entre 2005 e 2007. A que tem mais licenças é a central termoeléctrica de Sines, com 7,8 milhões de toneladas anuais. A que possui menos é a fábrica de cartão Prado Karton, em Tomar, com 558 toneladas.
Organizações não-governamentais e até pessoas singulares podem também abrir uma conta no registo (https://rple.iambiente.pt). A conta começa a zero, mas permite a qualquer um comprar e vender licenças de emissões, como quem transacciona títulos no mercado financeiro. Ontem à tarde, a tonelada de dióxido de carbono estava cotada a 22,35 euros.
Havia apenas seis contas abertas até ontem, todas da EDP. A empresa possui centrais térmicas que representam 37 por cento de todas as licenças atribuídas em Portugal.

Créditos do ano seguinteCom a seca deste ano, as centrais térmicas tiveram mais trabalho do que o normal. Com isso, as emissões deverão ser "substancialmente superiores às previsões de um ano médio", segundo António Neves de Carvalho, do Gabinete de Ambiente da EDP.
Mas ainda assim pode não ser necessário recorrer à compra de licenças no mercado, dado que a empresa pode utilizar os créditos do ano seguinte, se julgar que consegue equilibrar as contas até 2007.
O sector eléctrico em Portugal tem melhorado a sua eficiência e, desde 1990, houve uma descida de 29 por cento nas emissões de dióxido de carbono por electricidade produzida. Mas o consumo tem vindo a aumentar em flecha, o que obriga a uma maior produção. "Nós não controlamos a variação nos consumos", diz Neves de Carvalho.
Estima-se que, até 2010, haverá um aumento de 68 por cento nas emissões do sector eléctrico, em relação a 1990. As centrais da EDP respondem pela maior parte. "A EDP produz, mas quem consome somos nós", disse o ministro do Ambiente, Nunes Correia. "Somos nós os responsáveis por essas emissões."

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