Portugal já tinha desistido de Timor em Março de 1975

Portugal, os EUA, a Austrália e a Grã-Bretanha aceitaram a possível anexação de Timor muitos meses antes da invasão

Portugal fez saber aos EUA que não resistiria, caso a Indonésia usasse a força para ocupar Timor, revela um documento secreto datado do início de Março de 1975 e que foi dado a conhecer pelo Arquivo Nacional de Segurança dos EUA. "Há um relatório de que [o Presidente da Indonésia] Suharto ordenou a integração do Timor português na Indonésia o mais tardar em Agosto de 1975, pela força se necessário", diz o documento, em forma de memorando, enviado em 4 de Março daquele ano por W. R. Smyser para o então conselheiro nacional de Segurança, Henry Kissinger. "Funcionários portugueses disseram-nos que não resistirão a qualquer acto de força da Indonésia", acrescenta o documento, cujos parágrafos essenciais reproduzimos nesta página. Em contraste com a disposição de Lisboa de não resistir a qualquer iniciativa militar da Indonésia, diplomatas norte-americanos na região afirmavam-se convencidos, na mesma altura, de que os militares portugueses, com "um mínimo de preparativos defensivos e uns poucos dias de aviso", poderiam "encurralar" os indonésios em Díli "sem gastarem muito sangue ou munições". O documento explica que não existia "qualquer possibilidade de simpatia por uma autoridade indonésia entre a elite timorense ou a população em geral", pois os portugueses "não praticaram o apartheid e as relações inter-raciais são excelentes".
Estas duas informações fazem parte de um conjunto de 39 documentos dado a conhecer esta segunda-feira pelo Arquivo Nacional de Segurança (National Security Archive), um centro de estudos que se especializa em tentar angariar e publicar documentos governamentais norte-americanos, muitas vezes secretos.
Os documentos agora revelados mostram que Washington se apercebeu da intenção indonésia de tomar Timor pela força muito antes de 6 de Dezembro de 1975, data em que Suharto avisou o Presidente Gerald Ford e Henry Kissinger de que a invasão se iniciaria horas depois. Os documentos indicam que também a Grã-Bretanha e a Austrália souberam, quase imediatamente a seguir ao golpe de estado de 25 de Abril de 1974, das intenções indonésias de incorporar Timor pela força, se necessário.

Timorenses "compreendem" Dois dos mais altos dirigentes do novo Estado - o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Ramos-Horta - mostraram-se compreensivos quando informados pela imprensa portuguesa sobre o conteúdo destes documentos.
"Portugal estava, em 1974, a sair de uma ditadura de 40 anos e foi também uma vítima, tal como Timor-Leste", disse Horta ao correspondente da agência Lusa em Díli. O chefe da diplomacia de Timor-Leste acusa as Nações Unidas e em particular o secretário-geral da organização, Kurt Waldheim, de nada terem feito para impedir a invasão indonésia. "Timor-Leste foi vítima da rivalidade das grandes potências e do conflito pós-Vietname. A ONU teve tempo desde a guerra civil [em Agosto de 1975] até ao dia da invasão [7 de Dezembro seguinte] - três meses - para fazer algo, mas não mexeu uma palha."
Estas revelações não surpreenderam o primeiro-ministro timorense. Mari Alkatiri disse ontem à Lusa, em Díli, que, num jantar com o general Vasco Gonçalves e o almirante Rosa Coutinho, em 1980, lhe foi confirmado que na altura o poder "achava que a lógica seria a integração [de Timor-Leste] na Indonésia". E acrescentou: "Vasco Gonçalves [primeiro-ministro entre Julho de 1974 e Agosto de 1975] disse-me que em Portugal, na altura, se considerava que tudo devia ser feito para facilitar essa integração."
Em Outubro de 1981, o programa Grande Reportagem, da RTP e da responsabilidade de José Manuel Barata Feyo e Artur Albarran, denunciou cumplicidades com a Indonésia, no que respeita a Timor, por parte não só de Vasco Gonçalves, mas também dos dirigentes do PS Mário Soares, Almeida Santos e Jorge Campinos. Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Coordenação Interterritorial, os primeiros, e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o último, em 1974, os três dirigentes desmentiram as acusações e anunciaram que iriam processar criminalmente os responsáveis do programa.
A iniciativa de divulgar estes documentos pretende "encorajar" as autoridades timorenses a tornar público, "o mais rapidamente possível", o relatório da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), entregue no passado dia 28 ao Parlamento de Timor-Leste, dizem os responsáveis do Projecto de Documentação sobre Timor-Leste e a Indonésia, do Arquivo Nacional de Segurança.

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