Casa do rei Humberto II desapareceu de Cascais

A construtora garante que as fachadas foram mantidas, a câmara diz que a casa será conservada, mas
a Villa Itália já era

A casa que o rei Humberto II de Itália mandou erguer e onde passou grande parte dos seus longos anos de exílio, na estrada que vai para a Boca do Inferno, em Cascais, já não existe. Algures ao longo deste ano, e ao contrário do que se encontrava garantido no projecto inicialmente aprovado pela Câmara de Cascais, a chamada "Villa Itália" foi deitada abaixo para permitir a construção de um novo hotel de luxo da cadeia Real Parque, do empresário João Bernardino Gomes.A nova unidade, com 124 quartos, será inaugurada no próximo ano. Apesar das garantias, da antiga casa de Humberto II, quase só restará o nome. Olhe-se pois para as fotografias. A mais recente data de sábado. Na véspera, o presidente da Câmara de Cascais, António Capucho, enviara um novo lote de respostas às perguntas do PÚBLICO sobre o que restava ali da morada do rei Humberto: "De acordo com o projecto aprovado e alterações em curso, o exterior da Villa Itália é totalmente preservado, tanto no seu conjunto como nos seus diversos elementos- vãos, cantarias, desenho do telhado, etc."
Neste mesmo mail acrescentava-se: "As arcadas da Villa Itália, designadas como loggia na memória descritiva, constituem, só por si, um valor identificativo a preservar. Neste sentido foi proposta pelos projectistas uma ampliação deste elemento arquitectónico (...) Os próprios balaústres em pedra que existiam foram retirados e guardados para serem posteriormente reutilizados no mesmo local, havendo que fabricar os balaústres em falta com esta ampliação. Os terraços de betão actualmente visíveis, estão na verdade ao nível do antigo terreno (natural) exterior, sendo parcialmente por cima destes terraços que será reconstruída a dita loggia."
A manutenção do imóvel fora imposta como condição à viabilização do projecto, ainda durante a gestão do socialista José Luís Judas. No estudo prévio descrevia-se então o propósito: "Na actual Villa Itália será mantida quase integralmente a estrutura interior como forma de preservar as memórias" do lugar. Tal não aconteceu. Celestino Morgado, da empresa João Bernardino Gomes, é mais preciso do que a autarquia: "As fachadas originais foram mantidas, demolindo-se todo o interior do edifício e arcadas que serão reconstruídas." Quer isto dizer que, aparentemente, subsistirão algumas paredes por detrás dos novos acrescentos .
No início da passada semana, a primeira resposta de Capucho certificava o seguinte: "Tal como estava previsto no projecto inicial, foi efectivamente conservada tanto a Villa Itália, como a casa mais antiga que está situada a sul-poente. Nestes casos verificou-se uma coincidência de interesses e objectivos entre o promotor e a própria câmara, no sentido de ser preservada a memória do local, através da conservação de ambas as casas."

Casa Pinto Basto mantém a traça original
A citada casa mais antiga pertenceu ao numeroso clã Pinto Basto e foi nela que Humberto II aguardou a conclusão da Villa Itália. Situa-se no mesmo lote, também foi adquirida pela Real Parque e estava em avançado estado de ruína. Mas ao contrário do que se passa com a última morada do rei, as suas fachadas reconstruídas são agora perfeitamente identificáveis no conjunto em construção.
Entre a Villa Itália e a antiga casa Pinto Basto está também a ser erguida uma ala que albergará a maioria dos 124 quartos da futura unidade hoteleira. Devido a esta sobredimensão, o empreendimento não poderá receber a chancela da rede de hotéis de charme que inicialmente almejou.
A construção da villa original foi paga por súbditos italianos que, no início da década de 50, viram neste gesto uma forma de homenagear o homem que tinha sido seu rei por apenas três meses - entre Maio e Junho de 1946, na altura em que, via referendo, a Itália aboliu a monarquia e baniu os seus representantes. Como vários outros monarcas que se viram privados dos seus tronos no pós-guerra, também Humberto II escolheu a linha de Cascais para lugar de exílio, tendo aqui permanecido quase até à sua morte, em 1983. Da casa e do sítio que escolheu, escreveu ainda este ano um italiano que estudou em Lisboa: "É como que uma semipenínsula entrando pelo oceano, que a mim sempre me deu a sensação de um desespero absoluto, como se tivéssemos chegado ao fim de tudo."

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