Quintas de Leitura fideliza públicos do Porto para a poesia

Ciclo de 2005 termina hoje, com média de assistência acima dos 90 por cento. Só duas das sessões é que não esgotaram

As sessões das Quintas de Leitura, iniciativa mensal de divulgação da poesia a decorrer desde 2002 no Teatro do Campo Alegre (TCA), contaram este ano com uma média de assistência claramente acima dos 90 por cento. Quem o garante é João Gesta, programador do evento, que, em conversa com o PÚBLICO, considerou esse dado revelador da "fidelização de públicos" conseguida para a poesia. "Aliás, em 2005, só dois dos espectáculos é que não esgotaram", lembrou, frisando ainda que este é um universo de assistentes pagantes, dado que desde o início a organização estabeleceu o princípio de "dizer não aos convites". Com esta adesão fica cumprido aquilo que, no dizer de João Gesta, constitui o "serviço público de dar a conhecer os nossos poetas", mesmo que à partida cerca de metade das pessoas, no cálculo do programador, possa já conhecer os nomes em causa. Importante foi também a forma como, desde o início das Quintas de Leitura, se procurou impregnar a poesia do contacto com as artes performativas, levando a um diálogo, porventura arriscado mas frutuoso, entre a palavra poética, os sons musicais e a linguagem do corpo. Tendo-se destacado no Porto 2001 com um recital ao leme do colectivo literário Forças Amadas, João Gesta "pegou" nas Quintas de Leitura no início de 2002 e logo se lhe antepôs um desafio: era preciso encontrar ingredientes que superassem a ideia feita de os recitais de poesia serem "terrivelmente chatos" e de perderem os favores do público "ao fim de um quarto de hora".
Daí o recurso frequente a jovens artistas e a grupos menos conhecidos, porventura mais abertos a novas formas de expressão, a mobilização tanto do grupo de recitadores do TCA como de colectivos poéticos vindos de fora, o estímulo dado aos próprios autores (fossem jovens ou já consagrados) para que lessem os seus textos e sobretudo o choque frontal com outras artes capazes de iluminar a fruição do poema em palco.
Como momento alto da programação de 2005, Gesta lembrou o espectáculo Morreste-me, concebido em torno do livro homónimo de José Luís Peixoto e no qual à participação dos recitadores da casa se juntou o elenco da Caixa Geral de Despojos, a abordagem musical de Francisco Silva (mentor do projecto Old Jerusalem) e as coreografias da francesa Eleonore Didier. Faziam na altura cinco anos sobre a edição deste livro em que Peixoto evoca a morte do pai, foram lidos cerca de quatro fragmentos, um deles pelo próprio autor, que não deixou de se "comover" com o resultado produzido, conta Gesta.
Mega Ferreira
e Lula Pena na despedida
Igualmente dignos de nota foram, na temporada que agora acaba, as colisões entre Gonçalo M. Tavares e o impulso conjugado dos músicos Vítor Rua e Nuno Rebelo e da coreógrafa Vera Mantero, bem como a espécie de entrevista que o jornalista e poeta Manuel António Pina fez a Pedro Mexia, em que terão sido visíveis as diferenças ideológicas entre eles, e a forma como o próprio Mexia respondeu, dançando, ao desafio musical que o grupo Plaza lhe lançou.
Para hoje, último recital de 2005, está assegurada a presença de António Mega Ferreira, que se deixará envolver pela voz e guitarra de Lula Pena enquanto estiver a ler Uma bailarina andaluza, do seu último livro. Na primeira parte, está prometida a leitura, pelo próprio convidado, do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos, e um voo por três dos livros de Mega Ferreira (Os princípios do fim, O que há-de voltar a passar e O tempo que nos cabe, sendo este o mais recente, editado em Maio de 2005 pela Assírio & Alvim) guiado por um quarteto de recitadores do teatro. Esta será a 46.ª sessão das Quintas de Leitura, ao fim de uma longa viagem que contou com timoneiros como Nuno Júdice, Adília Lopes, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Ana Luísa Amaral, Ana Hatherly e Adolfo Luxúria Canibal.
Para o ano, a aventura continuará, confia João Gesta, e o adágio "em equipa que ganha não se mexe" deverá levar a que se prossiga basicamente com a mesma receita, talvez com a novidade de se dar "ainda mais voz à novíssima poesia portuguesa". Valter Hugo Mãe deverá ser o poeta a dar em Janeiro o pontapé de saída para a nova temporada.

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