Sócrates não arrisca despenalizar aborto sem referendo

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José Sócrates ponderou despenalizar o aborto sem o recurso ao referendo, mas o PS encontrava-se bastante dividido a este respeito Manuel Roberto/PÚBLICO (arquivo)

À hora dos telejornais, numa declaração solene em que recusou responder a perguntas dos jornalistas, o primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou ao país que irá "apresentar de novo na Assembleia da República a sua proposta de referendo logo que isso seja juridicamente possível, isto é, em Setembro de 2006".

Afinal, apesar da hesitação dos últimos dias, o primeiro-ministro acabou por decidir que "o PS permanece fiel ao seu entendimento de sempre: por princípio, uma solução legal consolidada por referendo só por referendo deve ser alterada". "[No caso do chumbo desta proposta pelo Tribunal Constitucional], este entendimento mantém-se inteiramente válido, uma vez que não se verifica uma impossibilidade jurídica ou política de realizar o referendo ainda nesta legislatura, tal como prometemos."

Segundo Sócrates,"a democracia exige de todos o respeito pelas suas regras, o respeito pelos compromissos assumidos e sobretudo o respeito pela vontade que foi expressa pelos portugueses em anterior referendo".

O secretário-geral do PS insistiu que "não foi por acaso que o PS se apresentou às últimas eleições propondo um novo referendo sobre o aborto: foi por respeito pelos procedimentos democráticos e pela vontade directamente expressa pelos portugueses". Assim, José Sócrates anunciou que, "embora partilhando o sentimento de urgência com que muitos encaram este problema", o PS "entende que deve reagir a estas contrariedades com paciência democrática e com inteira fidelidade aos seus compromissos eleitorais".

A fidelidade aos seus compromissos eleitorais foi o valor que o secretário-geral quis enfatizar, à hora dos telejornais - que, de resto, se encontravam a fazer emissões directas do Largo do Rato. A decisão de o PS e o Governo se manterem fiéis aos seus compromissos eleitorais foi antecedida de alguma expectativa, com José Sócrates a cancelar parte da agenda de ontem para comparecer na reunião da direcção do partido, convocada imediatamente a seguir à decisão dos juízes do Tribunal Constitucional.

A quem - como o PCP e o Bloco de Esquerda - defendia que a Assembleia da República devia assumir a aprovação da lei, tendo em conta a maioria ampla de que dispõe no Parlamento (os votos do PS "absoluto", mais os votos do PCP, "Verdes" e Bloco de Esquerda), o secretário-geral do PS deixou algumas palavras: "O PS compreende bem e acompanha todos aqueles que desejariam uma solução mais célere para o grave problema que é o aborto clandestino e para os absurdos criminais que atingem as mulheres. Também nós desejamos, como muitos portugueses, ter uma lei mais moderna e mais europeia no que respeita a matéria tão sensível."

E ainda, mais à frente: "Não somos indiferentes às consequências de uma tão grande demora na realização do referendo. Não nos é indiferente nem o sofrimento, nem a defesa da dignidade das mulheres sujeitas a procedimentos criminais reconhecidamente desajustados."

Sócrates admitiu aprovar sem referendo

José Sócrates ponderou, efectivamente, a partir do momento em que foi noticiada a decisão de que o Tribunal Constitucional iria concluir pela inconstitucionalidade da proposta, despenalizar o aborto sem o recurso ao referendo.

Mas o PS encontrava-se bastante dividido a este respeito e o risco político de ser acusado de não cumprir uma promessa eleitoral - o que, aliás, já tinha acontecido quando optou pelo aumento de impostos, ao contrário do que afirmara na campanha - foi considerado insustentável. A juntar a isto, a ideia de que uma decisão por via parlamentar poderia ser lida como falta de respeito por uma decisão do Tribunal Constitucional também pesou nesta opção.

Esta semana, um dos seus conselheiros, o constitucionalista Vital Moreira, veio a público a manifestar-se contrário a qualquer opção que não passasse pela apresentação de nova proposta de referendo. Segundo Vital, "o PS daria o flanco a fáceis acusações da oposição de direita, que não deixaria, inclusivamente, de pressionar o Presidente da República a exercer o poder de veto". Aconselhou "paciência" e "prudência" e Sócrates seguiu o conselho.

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