Cabília longe da reconciliação

"Somos todos amazighs [berberes]", declarou o Presidente argelino perante as cinco mil pessoas que se reuniram para o ouvir há cerca de uma semana, quando, na campanha pelo referendo, passou pela Cabília. A reconciliação nacional argelina dificilmente será possível sem esta região berbere, que é há muito um foco de tensões com o poder central."Ulac smah ulac" (não há perdão) e "Poder assassino", ouviu Abdelaziz Bouteflika de um grupo de jovens cabilas durante a visita. Foi em Abril de 2001 que, na sequência da morte de um jovem numa esquadra de polícia, rebentou uma enorme revolta popular na Cabília, que durou três meses e foi violentamente reprimida, terminando com um saldo de 126 mortos.
Desde então houve várias tentativas de diálogo e reaproximação - do lado cabila os partidos políticos foram, a certa altura, suplantados por uma velha instituição renascida, as âarch ou tribos, que conseguiram que em 2002 o regime aceitasse fazer do tamazigh (berbere) uma língua nacional. Em Janeiro deste ano foi assinado entre o Governo e as âarch um acordo sobre as reivindicações destas.
Mas há cedências que Bouteflika se recusa a fazer, como a de tornar o tamazigh uma "língua oficial" - ainda na campanha para o referendo o Presidente voltou a repetir que "a única língua oficial [da Argélia] é o árabe".
Ferhat Mehenni (na foto), o líder do Movimento para a Autonomia da Cabília (MAK), é um dos maiores críticos do referendo de hoje, e um defensor do boicote. "A Cabília continua revoltada contra o poder argelino, que a trata como inimiga desde a independência do país em 1962. A sua história é um perpétuo braço-de-ferro com as autoridades argelinas", declarou Mehenni numa entrevista ao PÚBLICO realizada antes de Bouteflika ter lançado a campanha para o referendo.
Para uma região que, segundo diz, o poder central tem tentado despersonalizar através de uma política de arabização, Mehenni e o MAK propõem uma autonomia. "Há vários modelos de autonomia regional, nomeadamente o da ilha da Madeira, em Portugal. Mas é o modelo catalão que mais nos inspira, embora defendamos uma autonomia mais alargada que a da Catalunha", explica Mehenni, sublinhando que não pretendem "uma autonomia esvaziada da sua substância".
As reivindicações cabilas baseiam-se naquilo que consideram ser uma identidade própria que passa, em primeiro lugar, pela língua. "Não temos o culto da diferença", garante Mehenni. No entanto, "a Argélia não é uma nação mas um conjunto de povos aos quais a colonização parece ter dado uma identidade comum". O problema é que "qualquer argelino tem o direito de se reivindicar árabe, mas quando um cabila enuncia a sua origem é tratado como "racista", esquecendo-se que o racismo consiste precisamente em proibir o outro de se nomear".
Esta relação com a identidade histórica berbere está longe de estar resolvida na Argélia. "Para nós", afirma Mehenni, "os norte-africanos são na sua esmagadora maioria berberes que se ignoram." A.P.C.

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