Comandante-geral da GNR terá viciado indigitação de juízes militares

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Contactado pelo PÚBLICO, Mourato Nunes alega que o processo de indigitação de militares decorreu na mais absoluta transparência Miguel Madeira/PÚBLICO (arquivo)

O Ministério Público (MP) está a investigar o comandante-geral da Guarda Nacional Republicana (GNR), tenente-general Mourato Nunes, por alegadas ilegalidades e abuso de poder. As suspeitas relacionam-se com o processo de indigitação de militares a serem submetidos à decisão do Conselho Superior de Magistratura (CSM) para a nomeação de juízes militares para os tribunais do Porto e Lisboa.

As acusações foram também entregues, em Março deste ano, ao Ministério da Administração Interna (MAI), estando ainda pendente um recurso no Supremo Tribunal de Justiça. Todas as queixas apontam Mourato Nunes, e restantes elementos do comando-geral da Guarda, como responsáveis pelos supostos crimes.

Esta é, pelo menos, a segunda investigação que o MP faz ao comandante-geral da GNR, apontado como o próximo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. O outro inquérito em curso prende-se com suspeitas de uso indevido de património do Estado - cinco viaturas e duas casas de praia da GNR para uso permanente -, que o PÚBLICO noticiou na edição de sábado.

As presumíveis ilegalidades cometidas no processo de escolha de militares para os Tribunais Judiciais de 1.ª instância de Lisboa e Porto - com o fim dos Tribunais Militares, a GNR tem direito a ter um representante nestas estruturas - remontam a 3 de Setembro do ano passado. Nesse dia, numa reunião do Conselho Superior da GNR (CSG), a quem compete indigitar os coronéis para o cargo, surgiram 12 candidatos. Apenas um possuía licenciatura em direito, o tenente-coronel Guedes Martins, na altura chefe dos Serviços de Justiça da GNR, sendo este um requisito que o próprio CSM aponta como preferencial.

Ora, na referida reunião do CSG foram apenas indigitados dois coronéis, um para o tribunal de Lisboa e outro para o Porto, quando deviam ter sido apontados três para cada uma das estruturas. Como "ilegal" é também invocado o sistema de votação, uma vez que não foi seguido o critério que impõe a obrigatoriedade de deliberação por maioria absoluta, lavrado no regimento do Conselho Superior da Guarda. O licenciado Guedes Martins foi ignorado e não foi indigitado.

Sentindo-se preterido, recorreu ao CSM, expondo as irregularidades cometidas. Em resposta, os representantes do CSM, solicitaram ao comandante-geral da GNR a indicação de três nomes. Mourato Nunes convocou então uma nova reunião do CSG para 8 de Outubro do mesmo ano.

No encontro, alegadamente precedido de uma intervenção em que o comandante-geral se queixa da conduta de Guedes Martins, os conselheiros indigitaram três coronéis para cada um dos juízos, Lisboa e Porto. Nenhum dos seleccionados tem licenciatura em direito e um deles estava na reforma, contrariando as orientações do CSM, que requisitou a indigitação de militares no activo ou na reserva. De novo, Guedes Martins ficou fora da lista entregue ao CSM e recorreu ao MP, ao Supremo Tribunal de Justiça e ao MAI.

Licenciatura em Direito foi ignorada

Um dos conselheiros do CSG - constituído por 21 elementos, entre os quais o comandante-geral da GNR - contou ao PÚBLICO ter estranhado o sistema de votação por ordenação dos militares e o facto de ser ter ignorado uma indicação expressa do CSM, a licenciatura em Direito.

Este oficial da GNR afirma que a atitude seguida pelo comandante-geral no CSG foi sempre a de impedir que o tenente-coronel Guedes Martins fosse indigitado, daí o sistema de votação por ordenação e não por maioria absoluta. O conselheiro confirma também que, na reunião do CSG de 8 de Outubro, Mourato Nunes terá feito uma intervenção em que condenava a atitude de Guedes Martins, por este ter recorrido ao CSM.

Contactado pelo PÚBLICO, Mourato Nunes alega que o processo de indigitação de militares decorreu na mais absoluta transparência. "O Conselho Superior da Guarda é constituído por 21 elementos. As decisões são colegiais. E nós não nomeamos juízes, apenas os indigitamos. O Conselho Superior da Magistratura é que nomeia", sublinha.

O comandante-geral da GNR, que diz não conhecer ao detalhe os processos que decorrem no MP, salvaguarda que o militar que "se sentiu preterido" tem todo o direito a recorrer à justiça e nega "alguma vez" ter intervido no sentido de prejudicar Guedes Martins. Também contactado, o MAI recusou-se a comentar este caso. O mesmo fez o tenente-coronel Guedes Martins, referindo apenas que o caso "segue nas instâncias judiciais".

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