Fernando Távora (1923-2005) O reinventor da arquitectura moderna com sabor local

O decano da arquitectura portuguesa, que trouxe os valores locais e a história para a arquitectura moderna, morreu ontem, aos 83 anos. Considerado o grande mestre da Escola do Porto, é responsável pelo acerto da arquitectura portuguesa com as vanguardas internacionais

"Távora mudou a arquitectura portuguesa", disse ontem o arquitecto Eduardo Souto Moura sobre o significado do desaparecimento do arquitecto Fernando Távora para a arquitectura nacional. Távora morreu ontem em Matosinhos, aos 83 anos. "Eu sou a arquitectura portuguesa", costumava dizer o próprio, lembrou ontem a historiadora de arquitectura Ana Tostões. A frase, repetida várias vezes, mas sempre dita com bonomia e humor, "é verdadeira", porque "ele soube trabalhar com o que já existia, fazendo novo", tornando a arquitectura moderna sensível às formas e valores locais.
Fernando Távora morreu ontem de manhã no Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos, vítima de cancro, noticiou a Lusa. Estava há dois dias internado no hospital, mas o seu estado de saúde tinha-se degradado muito nos últimos tempos. O corpo do arquitecto encontra-se em câmara-ardente na capela da casa de família em Fermentões, perto de Guimarães. Amanhã é trasladado para o Porto, onde será cremado no Cemitério do Prado do Repouso.
Souto Moura, que tem o seu escritório no mesmo edifício que o atelier de Távora e de Siza Vieira na Foz do Douro, no Porto, recusa para Távora chavões como "pai da Escola do Porto". "Távora é pai da Escola do Porto, mas bisavô da Europa. O Távora é uma figura histórica, é universal", afirmou, acrescentando que o arquitecto "acerta o passo da arquitectura portuguesa com as vanguardas, sendo ele próprio protagonista dessas vanguardas".
Quando participa nos congressos internacionais de arquitectura moderna, os célebres CIAM, Fernando Távora já sabe que "o Movimento Moderno puro e duro, como Le Corbusier propunha, tinha dois défices, a cultura local e a história", disse Souto Moura.
O Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59), organizado em redor de uma fonte e explorando a identidade do lugar, é elogiado internacionalmente - "ele faz aí a revisão do Movimento Moderno com as culturas locais". Souto Moura contou que costuma fazer um jogo com os seus amigos estrangeiros, propondo-lhes que advinhem as datas das obras portuguesas. "A arquitectura portuguesa está sempre desfasada 30 ou 100 anos. No mercado, acontece o contrário, eles respondem anos 60 mas é de 50. É a primeira vez que a arquitectura portuguesa produz uma coisa que é contemporânea com a vanguarda. Depois toda a gente começa a marchar ao mesmo tempo. Como o Siza, mas Távora foi o primeiro a fazê-lo."
Fernando Luís Cardoso Meneses de Tavares e Távora nasceu no Porto em 25 de Agosto de 1923. Só a partir dos 13 anos, contou ao Expresso, recupera o apelido Távora, nome que a família deixara de usar desde a sentença sobre os Távoras no século XVIII. Estas origens aristocráticas e o seu profundo interesse pela história "tornam-no capaz de olhar a modernidade sem o preconceito de tempo", na opinião de Ana Tostões.
É contra a vontade do pai que entra para a Escola Superior de Belas-Artes, do Porto, onde se licencia em 1952. A sua vida está profundamente ligada à escola. "Para mim, ele foi, personificou a Escola do Porto", disse ontem Alexandre Alves Costa, presidente do conselho científico da Faculdade de Arquitectura do Porto. Alves Costa concorda com Souto Moura sobre a importância do acerto de Távora com as vanguardas, mas sublinhou que "a sua influência é enorme e incrível a nível interno". Távora, que se interessou profundamente pela especificidade da arquitectura portuguesa, "traz a história para o estirador, ela é um conhecimento operativo, essa visão da história é fundamental na nossa escola".
Em 1955, Távora aceitou participar no Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, uma iniciativa de Salazar para promover a arquitectura tradicional. A equipa consegue demonstrar ao regime salazarista que não existia uma arquitectura portuguesa, mas uma diversidade tão grande quanto o número de regiões, de Trás-os-Montes ao Algarve. Távora já em 1947 escrevera o texto O Problema da Casa Portuguesa, mas o inquérito, reconhece o próprio, "já teve maior repercussão na escola e na minha actividade profissional".
Em 1956, faz o Pavilhão de Ténis da Quinta da Conceição (Leça da Palmeira), "muito neoplástico", diz Souto Moura, mas "muito minhoto". O arquitecto diz que este "é o grande manifesto de Távora". Vem depois a Casa de Ofir, que Siza Vieira, o seu discípulo mais directo, já disse que "não é mais do que outra chaminé entre luminosas e essenciais construções do litoral minhoto".
Para as gerações mais recentes, afirmou o crítico Ricardo Carvalho, "Távora é o exemplo de uma voz que tem relevância internacional a partir de pressupostos que partem de dentro do país". Nos últimos dez ou 15 anos, "Távora passou a figurar nas histórias da arquitectura mundial, onde antes injustamente não estava". No ano passado, o Ippar iniciou o processo de classificação da Quinta da Conceição (Matosinhos), o Mercado da Feira, a Casa de Ofir, a Escola Primária do Cedro (Gaia) e o Convento de Gondomar.

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