Fim da linha para pioneira do têxtil no Vale do Ave

Centenária Sampaio, Ferreira encerrou definitivamente

Os credores da empresa Sampaio, Ferreira, de Riba de Ave, Famalicão, decidiram ontem, em assembleia, encerrar "em definitivo" aquela que foi a primeira e a maior empresa da região do Vale do Ave, com mais de cem anos de história. Após décadas de sucesso, que lhe permitiram ter mais de dois mil funcionários, a fábrica viveu uma lenta agonia que levou, nos últimos meses, a que os 200 trabalhadores que restavam fossem rescindindo os contratos de trabalho. Já com a empresa dissolvida, na tarde de ontem foi feito "o mais fácil": encerrar a Sampaio, Ferreira. As dívidas aos 222 ex-trabalhadores rondam os cinco milhões de euros. Os números aumentam quando somadas as restantes dívidas a bancos, Segurança Social, EDP e fornecedores.
Com vários meses de salários em atraso, mais as indemnizações a que têm direito, os funcionários vão esperar agora pela venda dos bens da fábrica para receberem os créditos. "São muitos os credores e as dívidas mas os trabalhadores são, com certeza, aqueles que mais precisam do dinheiro", referiu ao PÚBLICO Joaquim Simões, ex-trabalhador da Sampaio, Ferreira e dirigente do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes.
Durante este ano, os funcionários estiveram quase sempre sem trabalho e foram muitos os dias de greve. "Tentamos tudo por tudo para que a empresa não fechasse as portas", salientou ainda Simões. A partir de hoje, os antigos trabalhadores da Sampaio, Ferreira fazem, oficialmente, parte dos 40 mil desempregados do Vale do Ave.
Fundada em 1896 por Narciso Ferreira, nas margens do Rio Ave, acabou por ser pelo exemplo deste tecelão que, durante décadas, o Vale do Ave se transformou num espaço onde o sector têxtil - fiação, tecelagem, tinturaria e acabamentos - se tornou no suporte económico e social de milhares de famílias. Com "apenas" 200 teares, a Fábrica de Fiação, Tecidos e Tinturaria de Riba de Ave - o primeiro nome da empresa - rapidamente a oficina se tornou na primeira fábrica têxtil algodoeira do Ave.
Em 1910, a fábrica já empregava 473 homens e 373 mulheres e trabalhava por turnos, fruto da introdução da electricidade gerada pela central própria (do Amieiro Galego), que ainda hoje funciona e que acabou por abastecer outras empresas da região.
Jorge Fernandes Alves, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e investigador da história da indústria têxtil no Vale do Ave, diz mesmo que a Sampaio, Ferreira foi a "primeira grande unidade industrial do Vale do Ave completa com fiação, tecelagem e tinturaria". A fábrica acabou por ser o ponto de referência de várias gerações de operários que nela tinham, não só o ganha pão, mas também uma organização onde passaram grande parte da vida. Por iniciativa de Narciso Ferreira, ao longo dos anos foram sendo construídas estruturas de apoio aos trabalhadores, algumas delas ainda hoje em funcionamento. Escolas, o hospital (agora entregue à Santa Casa de Misericórdia local), bombeiros, um cine-teatro, bairros operários e até estradas e o mercado local. "Toda esta dinâmica foi fruto da passagem da indústria doméstica para as grandes unidades fabris", diz ainda Jorge Fernandes Alves.
Da história da Sampaio, Ferreira, a época mais complicada talvez tenham sido os primeiros anos da década de oitenta. "Foi um tempo tão mau, tão mau que nem quero lembrar", diz ao PÚBLICO António Silva Oliveira, operário na Sampaio, Ferreira há 35 anos. "Eu bem queria que empresa aguentasse, mas desta crise não escapa. Esta não aguenta", finaliza o trabalhador. E não aguentou.

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