Antigo responsável da ONU acusado de receber "luvas"

O antigo responsável pelo programa Petróleo por Alimentos, que as Nações Unidas criaram para o Iraque, Benon Sevan foi ontem acusado de ter recebido 150 mil dólares em "luvas", que foram canalizadas para ele por um familiar do antigo secretário-geral da ONU Boutros Boutros-Ghali.A comissão de inquérito independente estabelecida pela ONU e chefiada pelo antigo presidente da Reserva Federal norte-americana Paul Volcker tinha recomendado ao actual secretário-geral, Kofi Annan, que levantasse a imunidade de Sevan para "uma investigação criminal". Mas Sevan, que nega as acusações, demitiu-se no domingo das Nações Unidas, o que automaticamente o faz perder a imunidade.
Sevan, que dirigiu o Petróleo por Alimentos, um programa no valor de 64 mil milhões de dólares, durante todo o período de existência deste, entre 1996 e 2003, acusou Kofi Annan de o ter "sacrificado". Este cipriota, de 67 anos, que trabalhou durante 40 anos para as Nações Unidas, já se tinha reformado mas continuava a fazer parte da organização, da qual recebia um salário simbólico de um dólar por ano, para poder conservar a sua imunidade diplomática.
Segundo a investigação, Sevan trabalhou com um primo de Boutros-Ghali, o egípcio Fakhry Abdelnour, proprietário de uma pequena empresa chamada African Middle East Petroleum. Esta empresa transferiu 580 mil dólares para a conta de Fred Nadler, o irmão da mulher de Boutros-Ghali. Desta quantia, Nadler depositou em dinheiro 147 mil dólares em contas bancárias em Nova Iorque de Sevan e da mulher deste.
"O senhor Sevan, de forma corrupta e concertada com [o senhor] Nadler e [o senhor] Abdelnour, retirou benefícios pecuniários pessoais através do programa", diz o relatório. "Os participantes tinham conhecimento de que algum do petróleo era adquirido pagando uma sobretaxa ilegal ao Iraque, em violação das sanções da ONU e das regras do programa", acrescenta.
O programa Petróleo por Alimentos permitiu ao Iraque vender, sob controlo, quantidades limitadas de petróleo com o objectivo de comprar bens essenciais para a população, numa altura em que o país estava sujeito ao embargo internacional. Mas o Governo iraquiano conseguiu perverter o sistema e desviar vários milhares de dólares. O escândalo tornou-se um enorme embaraço para a ONU.
O advogado de Sevan, Eric Lewis, divulgou no domingo o texto de uma carta escrita pelo seu cliente para Annan, na qual aquele desmente todas as acusações que lhe são feitas e diz-se desiludido com a alta hierarquia da ONU. "Compreendo perfeitamente a pressão a que está sujeito e o facto de alguns tentarem destruir a sua reputação, assim como a minha, mas sacrificar-me como expediente político não acalmará as críticas e não o ajudará nem a si nem à Organização", escreveu Sevan. "A única solução é dizer a verdade", prossegue, "e enfrentar a pressão política e dos adversários das Nações Unidas."
A comissão de inquérito tinha indicado em Março que se colocavam "questões sérias" em relação ao filho de Annan, Kojo, que trabalhou para uma empresa suíça que obteve um contrato no âmbito do programa. Mas afirmou "não ter provas razoavelmente suficientes" para afirmar que o secretário-geral tinha conhecimento deste contrato.

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