Timor-Leste e Indonésia criam Comissão de Verdade e Amizade

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É a primeira vez que dois países saídos de um conflito decidem em conjunto investigar a verdade, precisou Ramos-Horta AFP

Os governos de Timor-Leste e da Indonésia anunciaram hoje a criação da Comissão de Verdade e Amizade (CVA), classificada pelo chefe da diplomacia timorense, José Ramos-Horta, como uma estrutura inédita nas relações bilaterais internacionais.

"É a primeira vez que dois países saídos de um conflito decidem em conjunto investigar a verdade", afirmou Ramos-Horta em conferência de imprensa, reafirmando as razões por que Timor-Leste continua a opor-se à criação de um tribunal internacional para julgar os responsáveis morais e materiais da onda de violência de 1999.

Cada país nomeou cinco comissários, que terão a primeira reunião no próximo dia 4, em Denpasar, na Indonésia, onde ficará sedeado o Secretariado Conjunto.

Do lado timorense foram designados Jacinto Alves, ex-preso político durante a ocupação indonésia; Dionísio Soares, jurista e antropólogo; Cirilo Valadares, juiz; Felicidade Guterres, antigo quadro da resistência contra a ocupação indonésia; e Aniceto Guterres, activista dos direitos humanos.

A Indonésia designou como seus representantes o general Agus Widjojo; o bispo de Kupang, Petrus Turang; o activista de direitos humanos Benjamin Mangkudilaga; e os académicos Achmad Ali e Wisber Loeis.

Os dois países anunciaram ainda que a CVA vai dispor de 1,5 milhões de dólares para o seu orçamento.

A estrutura terá um mandato de um ano, que poderá ser prolongado por idêntico período e estará habilitada a fazer recomendações aos dois governos "para que não se repitam os acontecimentos de 1999".

Em 1999, durante o processo de organização e realização do referendo sobre a integração de Timor-Leste na Indonésia ou a independência, as forças armadas e de segurança indonésias e milícias formadas por cidadãos timorenses protagonizaram diversas acções violentas, entre as quais actos classificados como crimes contra a humanidade.

A onda de terror provocou a morte de 1500 pessoas, a destruição de mais de 75 por cento das infra-estruturas timorenses e o êxodo forçado de pelo menos 250 mil pessoas para o lado indonésio da ilha de Timor.

O processo de identificação e de punição dos responsáveis por esses crimes foi desenvolvido de forma diferente nos dois países, tendo Timor-Leste, com o apoio das Nações Unidas, criado uma estrutura judicial que instruiu 95 processos, envolvendo 392 pessoas.

Foram condenados 74 arguidos e outros dois absolvidos das acusações.

No entanto, mais 303 suspeitos encontram-se fora do alcance dessa estrutura judicial, presumivelmente em território indonésio, pelo que não chegaram a ser julgados.

Entre estes figuram 37 comandantes e oficiais das forças armadas indonésias (TNI), quatro chefes da polícia indonésia, 60 oficiais e soldados das TNI de nacionalidade timorense, o antigo governador de Timor-Leste Abílio Osório e cinco antigos administradores de distrito.

A Indonésia preferiu criar um tribunal "ad-hoc" que apenas condenou dois civis, de nacionalidade timorense, e ilibou a maior parte dos militares e polícias indonésios acusados de abusos dos direitos humanos.

ONU não reconhece CVA

As Nações Unidas recusaram, entretanto, subscrever a proposta conjunta indonésio-timorense de criação da CVA, defendendo em alternativa o envio de uma comissão de peritos aos dois países para avaliar por que razão falhou a aplicação de uma resolução do Conselho de Segurança, de 1999, para julgar e punir os responsáveis pelos crimes de guerra.

As conclusões desta comissão de peritos constam de um relatório entregue em Junho passado ao Conselho de Segurança, em que se defende a criação de um tribunal internacional para julgar os responsáveis dos crimes contra a humanidade perpetrados em Timor-Leste em 1999.

O relatório pode representar a "última oportunidade para que o Conselho de Segurança garanta a responsabilização dos culpados pelas graves violações dos direitos humanos e pelo sofrimento perpetrado em larga escala e assegurar o exercício da justiça ao povo de Timor- Leste", destacam os peritos no último parágrafo do documento.

Os três peritos, Prafullachandra Bhagwati, da Índia; Yozo Yokota, do Japão; e Shaista Shameem, das Ilhas Fiji, foram nomeados por Kofi Annan para avaliar de que forma a aplicação da justiça pelos processos judiciais abertos em Jacarta e Díli corresponderam à vontade de justiça das vítimas, da população timorense.

De acordo com a Comissão de Peritos, o processo judicial aberto em Jacarta por um tribunal "ad-hoc" não cumpriu o objectivo de aplicação da justiça porque os oficiais superiores das Forças Armadas e de segurança permaneceram na impunidade, enquanto os milicianos timorenses julgados em Timor-Leste cumprem penas de prisão efectiva, nalguns casos superiores a dez anos.

Entre os responsáveis que permaneceram na impunidade, o relatório destaca o caso do ex-ministro da Defesa e da Segurança da Indonésia general Wiranto.

O relatório concede seis meses à Indonésia para preparar julgamentos credíveis, caso contrário, as Nações Unidas deverão criar um tribunal internacional para julgar os crimes contra a humanidade, fundamentando a decisão com a Carta Constitutiva da organização.

Díli e Jacarta opõem-se à criação desta estrutura judicial, com as autoridades timorenses a não esconderem a sua opção pela manutenção de boas relações com a vizinha indonésia, remetendo para a comunidade internacional a responsabilidade do apuramento da justiça dos actos violentos que foram cometidos em 1999.

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