Souto Moura: harmonização entre férias judiciais e funcionais "pode ser de difícil execução"
José Souto Moura, que foi ouvido na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na qualidade de presidente do Conselho Superior do Ministério Público (a que preside por inerência), afirmou que esta harmonização "pode levar a situações de difícil compilação na prática".
O procurador escusou-se a comentar a opção política do Governo de reduzir as férias judiciais para um mês e limitá-las, mas admitiu que a ideia expressa de que os magistrados são privilegiados por terem um período mais alargado de férias "causou mal-estar na classe".
Souto Moura sublinhou que o dia normal dos magistrados do Ministério Público é ocupado com julgamentos até cerca das 17h00 e que depois disso é que vão fazer os despachos, levando muitas vezes trabalho para casa e usando também as férias judiciais para trabalhar nos processos.
"A classe sentiu-se injustiçada""A classe sentiu-se injustiçada e o que temos assistido [protestos] é uma reacção emotiva, mas não só emotiva, a esta questão", disse o procurador-geral da República.
Souto Moura admitiu que poderá existir "um sentimento de falta de reconhecimento pelo esforço que tem sido feito", tanto pelos magistrados do Ministério Público, como dos magistrados e funcionários judiciais. Na opinião de Souto Moura, "o ideal seria que todos gozassem férias no mesmo período, seja ele qual for".
O procurador-geral da República alertou a comissão parlamentar para algumas "dificuldades" que possam ocorrer na aplicação desta medida, anunciada pelo Governo para conferir uma maior celeridade à justiça e para reduzir em dez por cento os processos pendentes.
Souto Moura disse que a redução do período de férias pode ser um dos factores de celeridade no despacho dos processos, mas sublinhou que existe um outro factor, que é o estado de espírito das pessoas que fazem andar os processos e que este é um aspecto importante.
"Devemos procurar não criar no espírito das pessoas de quem depende a celeridade um desalento, um desânimo, que pode ser responsável por pôr em causa essa celeridade", vincou.
À saída da audiência, o procurador sublinhou que a conjugação das férias judiciais com as funcionais irá "exigir algum esforço", mas manifestou-se esperançado "que se chegue a algum lado".
Perante um cenário de eventual dificuldade de articular a presença para um julgamento de um procurador do Ministério Público com a de um juiz do mesmo processo devido ao gozo de férias, Souto Moura respondeu: "Tem que ser ponderado por quem tiver a responsabilidade de apontar o caminho dessa harmonização - quem faz essa harmonização, como é que ela é feita e quem é que arbitra isso".
Souto Moura: "Nada é impossível"Foram anotadas as objecções às dificuldades de implementação prática e espero que isso seja corrigido", disse. Questionado sobre se lhe parecia possível essa harmonização, retorquiu, sorrindo, que "nada é impossível".
O Conselho Superior do Ministério Público aprovou ontem um parecer que rejeita o projecto governamental de reduzir as férias judiciais e de fazer com que sejam gozadas só no mês de Agosto.
O parecer, elaborado a pedido do Governo pelo advogado e professor universitário Fraústo Silva, considera que só o mês de Agosto não chega para o gozo completo do período de férias de Verão a que tem direito grande parte dos magistrados e funcionários judiciais.
O documento refere-se ao projecto de diploma que altera a lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais, o estatuto dos magistrados judiciais e do Ministério Público, a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional e o estatuto dos funcionários de justiça.
No parecer "recomenda-se que, por respeito à política definida pelo Executivo, as férias dos magistrados e funcionários sejam gozadas entre 16 de Julho e 31 de Agosto".
Apresentada aos conselheiros já com emendas em relação à primeira versão divulgada no Parlamento, a proposta de redução das férias judiciais de 61 para 31 dias (deixando inalterado o período das chamadas férias pequenas) cingidos ao mês de Agosto é considerada inviável por Fraústo Silva.
A dificuldade está em "harmonizar as férias funcionais com as férias judiciais, já que grande parte dos magistrados e dos funcionários tem direito a 28 dias úteis e o mês de Agosto tem apenas 22 dias úteis".
Esta dificuldade técnica levou a várias alterações do diploma e acabou por alargar o período de férias de Verão dos magistrados de 15 de Julho a 31 de Agosto o que, no entender do autor, desvirtua a reforma.
Por seu lado, ministro da Justiça, Alberto Costa, reafirmou na última quarta-feira o compromisso do Governo de reduzir as férias judiciais, sublinhando que não será "paralisado por qualquer parecer mais ou menos favorável ou desfavorável".
A questão das férias, associada a outras como congelamento da progressão nas carreiras, alterações aos estatutos de aposentação e estatuto sócio-profissional, levou juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais a acusar o Executivo de uma atitude que afronta aquelas classes.