2005 não é 1985

O importante é perceber se Soares e Cavaco são os candidatos certos para o que se joga nas presidenciais

As inúmeras discussões públicas que, em diversos fóruns radiofónicos e televisivos, ontem tiveram lugar sobre a hipotética candidatura de Mário Soares e/ou sobre o possível duelo presidencial Soares/Cavaco centraram-se de forma quase obsessiva na idade do antigo Presidente da República. Elemento sem dúvida importante, a verdade é que na política não existe idade para se passar compulsivamente à reforma, existindo exemplos - raros, é certo - de estadistas que prestaram grandes serviços aos seus países em fases adiantadas das suas vidas. Mais importante será antes compreender até que ponto Mário Soares e Cavaco Silva são os candidatos certos para o que estará em causa nas próximas presidenciais. É que 2005 não é 1985.Em 1985 Portugal ainda era uma jovem democracia que acabara de se libertar da tutela militar. O primeiro Presidente da República democraticamente eleito, Ramalho Eanes, era um general e o país ia escolher o primeiro Presidente civil desde o golpe de Estado de 1926. À esquerda ainda não era clara a hegemonia do Partido Socialista, sobretudo depois da irrupção do PRD na cena política. E a direita ainda suscitava, junto de muitos portugueses, inquietações e receios, pois supunha-se que com o seu candidato - Freitas do Amaral... - regressaria um regime autoritário. Na primeira volta, Mário Soares resolveu, para muito tempo, o problema da hegemonia política à esquerda. Na segunda volta, em contrapartida, utilizou pela última vez, de forma eficaz, o fantasma do regresso ao passado autoritário (a tentativa de reeditar a mesma táctica no duelo lisboeta entre o seu filho e Santana Lopes revelar-se-ia um desastre). Depois, já com Soares em Belém, bastaria ano e meio para os portugueses se sentirem suficientemente tranquilos para entregarem a maioria absoluta a Cavaco Silva.
A eleição de 1985 e o primeiro mandato de coabitação Mário Soares/Cavaco Silva permitiram pois fechar de vez o ciclo da Revolução, mostraram que Portugal possuía as características de uma democracia madura e era capaz de encarar com tranquilidade o ciclo da integração europeia.
Em 2005 a próxima eleição presidencial coloca dois desafios completamente diferentes. O primeiro tem a ver com a identidade e ambições nacionais. O segundo com a governabilidade do país.
Na verdade, Portugal atravessa um daqueles momentos de descrença em si mesmo, de falta de fé nas suas capacidades e, também ou sobretudo, nas suas lideranças políticas, que tudo recomendaria que as eleições presidenciais permitissem clarificar o que temos de fazer como nação se não quisermos tornar-nos inviáveis a prazo. Por outro lado, as recentes crises políticas, a percepção de que mesmo governos de maioria absoluta têm dificuldade em levar a cabo a sua agenda reformista, mostram que existem no país resistências poderosas a qualquer mudança e uma cultura corporativa e de dependência que nos arrasta para o fundo.
De certa forma, a idade dos dois candidatos, e a de Mário Soares em especial, é um preocupante sinal desses bloqueios portugueses e da incapacidade de gerar novos valores, um sintoma da rarefacção das elites políticas e da aversão sentida pelos melhores em meter as mãos num mundo partidário claustrofóbico e autofágico. Porém, mais do que a idade, contará nas eleições a capacidade dos candidatos para entenderem que os dias difíceis pela frente exigem que o próximo Presidente ajude, a partir de Belém, a quebrar as resistências que amarram Portugal ao passado, devolvendo-lhe uma esperança de futuro.

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