Parente pobre da CP só cobre um quarto dos custos de exploração

Os comboios regionais são os que dão mais prejuízo na CP. A empresa
quer contratualizar serviço público com o Estado, mas o cenário é complexo
e os problemas acumulam-se. Hoje, o primeiro-ministro viaja na Linha
da Beira Baixa. Por Carlos Cipriano

São velhos, lentos e pesados. Param em todas as estações e apeadeiros. Dão prejuízos elevados. É o serviço regional da CP, o parente pobre da oferta ferroviária portuguesa.Em 2004, viajaram nele 12,3 milhões de pessoas, nove por cento do total de passageiros da CP. Mas as receitas deste serviço foram de apenas 29,5 milhões de euros, face a custos operacionais da ordem dos 112,8 milhões de euros, ou seja, uma taxa de cobertura de apenas 26 por cento.
Comparada com as outras quatro unidades de negócio da empresa, a CP-Regional tem o pior desempenho. A CP-Longo Curso cobre 97 por cento das suas despesas, a CP-Lisboa, 92 por cento, a CP-Porto, 49 por cento e a CP-Carga, 94 por cento. O serviço regional é, assim, uma dor de cabeça para os gestores, que de bom grado se livrariam deste lastro se não fosse por três motivos: a tradição (os comboios circulam em algumas linhas porque sempre lá andaram), a alegada obrigação de prestação de serviço público (nunca contratualizado com o Estado) e o poder dos autarcas (sempre dispostos a protestar quando se fala em lhes retirar o comboio).
De 2001 para 2004, a CP diminuiu a sua oferta de comboios regionais de 149 mil para 139 mil circulações. A tendência deverá prosseguir, mas a empresa não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre qual a estratégia para o serviço regional. António Ramalho, presidente da CP, já assumiu que haverá redução da oferta, de acordo com o Plano Líder 2010, em que a empresa se propõe equilibrar as suas contas.

A carne e o ossoUma das hipóteses de aliviar a factura dos regionais é a sua municipalização, envolvendo as autarquias e as regiões na gestão dos seus comboios através de uma politica de proximidade. Uma experiência está já em curso na Linha do Tua, entre a CP e as câmaras de Mirandela, Vila Flor e Carrazeda de Ansiães. E há também o projecto das câmaras de Coruche, Salvaterra de Magos e Cartaxo financiarem um serviço de comboios directos para Lisboa.
Mas para já a única coisa que a CP fez foi acabar com as automotoras que se arrastavam na linha do Setil a Vendas Novas, substituindo-as por um autocarro (ver texto nestas páginas). A empresa diz que baixou assim de 492 mil para 77 mil euros o custo de exploração anual daquela linha, que mantém uma receita de 6500 euros/ano.
Para evidenciar o peso do serviço regional, o ano passado a empresa dividiu em duas a unidade de negócios UVIR, criando a CP-Longo Curso, que explora os Alfa e Intercidades, e a CP-Regional, que ficou com os regionais e inter-regionais. A primeira é a carne, a segunda o osso. A primeira poderá caminhar para uma privatização se o negócio interessar a privados, a segunda está condenada ao emagrecimento e a uma alegada contratualização de um serviço público com um Estado pouco generoso, tendo em conta as dificuldades orçamentais.

Não há articulaçãoUm dos motivos da pouca procura dos comboios regionais tem que ver com a rede ferroviária portuguesa, herdada do século XIX. Apesar de "aliviada" de 2000 quilómetros de linhas férreas não rentáveis que foram encerradas nos anos oitenta (quase todas no Alentejo e em Trás-os-Montes), a CP obriga-se a transportar pessoas onde elas quase não existem. É o caso da Linha do Leste (Entroncamento-Elvas), do ramal de Cáceres (Torre das Vargens-Marvão) e dos troços Beja-Funcheira e Guarda-Covilhã, onde a empresa já chegou à conclusão que seria mais barato transportar os seus clientes de táxi.
Para isso contribui também um acordo colectivo de empresa, negociado com sindicatos inflexíveis, que não permitem, por exemplo, que um maquinista faça a cobrança a bordo (como acontece noutros países), obrigando à presença de um revisor, duplicando assim a tripulação, que, não raras vezes, viaja sozinha.
Mas se é certo que zonas desertificadas e com uma população idosa e de pouca mobilidade não são um atractivo para qualquer transportadora, também é verdade que a maior parte da oferta da CP-Regional se concentra no eixo litoral. As linhas do Norte, do Oeste, do Minho, do Algarve e o ramal da Lousã representam 70 por cento da procura daquela unidade de negócios.
O que falha, afinal? Uma boa articulação dos horários entre as várias linhas e os vários tipos de comboios. Em vez de potenciar o "efeito rede" do caminho-de-ferro, a CP segmenta, divide. Multiplica os transbordos, obriga os seus clientes a comprar mais do que um bilhete em estações diferentes para uma única viagem, não assegura correspondências entre comboios e faz mesmo questão em separar tráfegos.
É o que acontece no Grande Porto, onde a empresa tem em estudo um novo horário em que todos comboios regionais da Linha do Norte ficam proibidos de chegar à Invicta, terminando a sua marcha em Aveiro. Aí, os passageiros terão que mudar para uma composição da CP-Porto...

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