Unidos pela Europa

Artigo conjunto do Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio; da Alemanha, Horst Köhler; da Áustria, Heinz Fischer; da Finlândia, Tarja Halonen; da Itália, Carlo Azeglio Ciampi; da Letónia, Vaira Vike-Freiberga e da Polónia, Aleksander Kwasniewski; hoje publicado em vários jornais europeus, nomeadamente o PÚBLICO

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Por estes dias terão já começado as férias de Verão em muitos países. Muitos de nós desfrutaremos as belezas da nossa Europa, sem controlos fronteiriços e, em muitos casos, sem sequer ter de trocar divisas. Não será esta porventura uma ocasião prática para avaliarmos como todos podemos beneficiar com a União Europeia? Eis uma coisa a que não queremos, seguramente, renunciar. Temos de aproveitar a oportunidade que nos oferece esta Europa comum e unida, para assumir as nossas responsabilidades para com as gerações vindouras.

Os resultados dos referendos realizados em França e nos Países Baixos exprimem a insatisfação de muitos cidadãos com uma política europeia incapaz de corresponder às suas expectativas. Embora a maioria apoie o projecto europeu, está descontente com a forma como este se tem vindo a desenvolver e sente-se excluída não só das decisões mais relevantes para o seu futuro, como das que têm incidência directa no seu dia-a-dia.

A maior parte das vezes, os principais assuntos europeus não são suficientemente debatidos antes de as decisões serem tomadas. Inúmeras pessoas consideram que a União Europeia padece de um excesso de zelo regulamentador, que os processos de decisão pecam por falta de transparência e que as próprias instâncias decisórias se perdem no anonimato.

Tem havido sobretudo uma excessiva tendência para responsabilizar Bruxelas pelas dificuldades sentidas a nível interno. Ora, tudo isto dá uma imagem negativa a um projecto que é positivo.

Estamos convictos de que a União Europeia precisa de instituições fortes, eficazes e com peso, bem como de procedimentos transparentes.

A União Europeia deveria limitar\u2011se a regulamentar matérias que ganham em ser regulamentadas em conjunto. São necessários mecanismos que permitam aproximar os cidadãos das instâncias de decisão comunitárias. Os objectivos do Tratado Constitucional - maior participação dos cidadãos, transparência, democratização e eficiência - mantêm toda a sua validade. Mas importa que as questões de interesse comum sejam debatidas pelos europeus.

Os altos níveis de desemprego e o fraco crescimento económico levam a que muitos cidadãos estejam preocupados com o seu futuro. Ora, cabe à Europa abrir-lhes horizontes e perspectivas. É por isso que a Comissão Europeia dá, a justo título, prioridade à política de crescimento e do emprego. Se as pessoas sentirem que os Estados-membros da União Europeia lhes proporcionam, a si e aos seus filhos, novas oportunidades de trabalho e de prosperidade, o projecto europeu torna-se mais apetecível para as pessoas. O modelo europeu pressupõe uma indispensável componente social, que tem de se apoiar numa base económica viável.

A nossa prioridade deve ser a de melhorar a confiança nas políticas europeias. Temos de nos assegurar que são claros para todos os cidadãos os benefícios que a integração encerra, o funcionamento da União Europeia, as suas realizações, o rumo que segue e a sua razão de ser. Só assim será possível conquistar as pessoas para o projecto europeu. Sem a aceitação dos cidadãos e a sua colaboração, a União Europeia não conseguirá consolidar-se nem muito menos progredir.

A Europa atravessa momentos difíceis. Não há, porém, nenhum motivo para duvidar da bondade do projecto europeu. Basta recordar o que a União Europeia trouxe aos Estados e aos povos que congrega: uma crescente prosperidade e uma força económica que permitem influenciar a globalização, mas também a liberdade, variadíssimos direitos e, acima de tudo, a segurança, longe da guerra e da opressão.

Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro luxemburguês e presidente cessante do Conselho Europeu, sugeria àqueles que têm dúvidas e não acreditam na Europa uma visita aos cemitérios militares. A paz na Europa não é de modo algum um dado adquirido. São ainda numerosos os que viveram a amarga experiência da guerra. Para os jovens de hoje, a guerra entre países da União Europeia é impensável, e ainda bem. Esta é, aliás, uma inestimável conquista da integração.

Sabemos também que o nosso sucesso económico radica no mercado interno europeu, que trouxe prosperidade aos Estados\u2011membros mais antigos e proporciona idênticas oportunidades aos novos. Defendemos o bom funcionamento dos mercados, o que, a nosso ver, é indissociável da justiça e do equilíbrio social. Este é o modelo europeu, o único capaz de proporcionar aos cidadãos uma prosperidade duradoura.

Só em conjunto poderão as nações europeias enfrentar a concorrência e negociar com êxito com países como os EUA, mas também com a China e a Índia, que têm um peso demográfico de 1,3 mil milhões e 1,15 mil milhões de pessoas e apresentam taxas de crescimento de 9 e 8,5 por cento respectivamente. Só uma Europa economicamente forte, unida e solidária será capaz de modelar as forças da globalização e de a dotar de uma dimensão social, que consideramos indispensável, propondo assim um modelo para o mundo inteiro.

O mercado interno é sinónimo de concorrência, o que, por seu turno, requer esforços acrescidos e flexibilidade. Mas uma concorrência leal permite também oferecer melhores produtos e serviços aos consumidores. Se quisermos manter e aumentar a prosperidade já alcançada, não há qualquer caminho alternativo.

A adopção do euro constituiu outro progresso importante, inclusivamente do ponto de vista político, tendo contribuído de forma decisiva para a estabilidade monetária, a redução das taxas de juro, a transparência, a diminuição dos custos de transacção, a integração dos mercados financeiros e a mobilidade dos cidadãos. São afinal benefícios que se estendem igualmente aos Estados\u2011membros situados fora da zona euro.

Não podemos delapidar o património que conquistámos. Devemos, antes, conservar intactas as nossas oportunidades de futuro. Mas, para o fazer, temos de saber aquilo que queremos.

A União Europeia é já muito mais do que uma zona de comércio livre. Aliás, foi concebida, desde o início, como um projecto político. É uma comunidade de destino que partilha valores e princípios, dos quais fazem parte a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito, o pluralismo, o respeito pela dignidade humana, a justiça social e a solidariedade.

Os Estados-membros da União Europeia são chamados a renovar o seu empenho em promover o conhecimento e a inovação, enquanto forças motrizes do crescimento sustentável e do emprego, bem como a envidar redobrados esforços para levar a cabo as reformas estruturais. Só assim será possível dinamizar as economias nacionais.

Acima de tudo, a União Europeia deve falar a uma só voz na cena internacional. Só assim poderá fazer valer o seu peso económico e político. Só assim poderá contribuir para resolver com sucesso os problemas globais. É aliás isto que os nossos parceiros mundiais esperam de nós.

Chegou o momento de ponderar serenamente sobre a forma de dar rumo ao navio europeu. De onde deveremos partir?

Precisamos:

- de uma União Europeia mais democrática, mais transparente e mais eficiente, não só no nosso próprio interesse, mas também para afirmarmos o nosso lugar na globalização;

- de mecanismos que promovam a participação dos cidadãos no projecto europeu, associando\u2011os à sua concretização e aos seus progressos; por conseguinte, devemos reflectir sobre a forma de possibilitar aos cidadãos europeus exprimirem-se em conjunto sobre as questões europeias;

- de uma cooperação mais estreita em matérias de segurança e do combate ao terrorismo, como os recentes ataques terroristas vieram demonstrar uma vez mais;

- de uma maior disponibilidade para fazer concessões e de nos mostrarmos mais solidários. Aqui reside a pedra angular do projecto europeu, que, também ela, interessa a cada um dos Estados-membros;

- de uma Europa preparada para o futuro, através do investimento no que faz a força da Europa: inovação, comunicação, educação e investigação. Há que examinar a nossas contribuições para Bruxelas e a forma como são gastas. É necessário - e consegui-lo-emos - obter um acordo atempado nesta matéria.

Aproveitemos o período de reflexão e não percamos a coragem, dando ao invés provas de tenacidade e de engenho.

A política da "porta aberta", levada a cabo pela União Europeia, teve êxito comprovado. Com a adesão dos novos membros, a Europa ganhou novo impulso e abriu novas possibilidades.

Temos de aprender a viver numa União a 25 e fazer a experiência da nossa identidade europeia, fundada numa história e numa cultura comuns, bem como em valores partilhados, que moldam o nosso quotidiano e definem o espaço comum europeu. Quanto à agenda do alargamento, deverá ser aplicado o princípio pacta sunt servanda. O que foi acordado deverá, naturalmente, ser respeitado. É importante proporcionar aos potenciais candidatos à adesão perspectivas realistas que os incitem a prosseguir com as reformas internas e a adoptar os padrões europeus. Os critérios de adesão, incluindo a democracia, o respeito pelos direitos humanos e o Estado de direito deverão igualmente aplicar-se a todos os candidatos.

Por estes dias terão já começado as férias de Verão em muitos países. Muitos de nós desfrutaremos as belezas da nossa Europa, sem controlos fronteiriços e, em muitos casos, sem sequer ter de trocar divisas. Não será esta porventura uma ocasião prática para avaliarmos como todos podemos beneficiar com a União Europeia?

Eis uma coisa a que não queremos, seguramente, renunciar. Temos de aproveitar a oportunidade que nos oferece esta Europa comum e unida, para assumir as nossas responsabilidades para com as gerações vindouras.

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