Srebrenica: dez anos depois a Bósnia ainda está muito longe da Europa

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Os vivos e os mortos convergiram hoje para Srebrenica, actualmente integrada na Republika Srpska AP

Soldados e civis sobreviventes da desesperada fuga dos muçulmanos de Srebrenica, ocorrida há dez anos na sequência do assalto final do Exército sérvio bósnio (VRS) a este enclave do leste da Bósnia então declarado "zona de segurança" da ONU, regressaram ontem ao local para participar no enterro de 610 dos cerca de oito mil homem e rapazes, vítimas do mais sangrento episódio da guerra civil bósnia (1992-1995).

Os vivos e os mortos convergiram para esta cidade do leste da Bósnia, actualmente integrada na Republika Srpska (RS, a entidade sérvia bósnia), para uma cerimónia que hoje assinala o aniversário do massacre.

Algumas centenas optaram por efectuar o percurso inverso, para recordar o trajecto que fizeram a pé há dez anos por montanhas e campos minados, quando decidiram escapar da cidade após o assalto militar sérvio bósnio, e tentar alcançar outros territórios muçulmanos.

No sábado, milhares de pessoas observaram em Sarajevo a passagem do cortejo com os 610 corpos, identificados como vítimas de Srebrenica. Para hoje, mais de 50 mil pessoas são esperadas na cerimónia e a polícia permanece em alerta após a descoberta, na passada terça-feira, de cerca de 35 quilos de explosivos colocados no memorial de Potocari, nos arredores.

Será neste local que serão enterradas as 610 vítimas, exumadas das cerca de 60 valas comuns detectadas na região. Desde 2003, data da inauguração do cemitério comemorativo de Srebrenica, mais de 1300 vítimas identificadas já foram aí depositadas.

Os Estados Unidos vão estar representados por "uma delegação de alto nível", limitou-se a referir a embaixada dos EUA em Sarajevo. Os ministros dos Negócios Estrangeiros britânico, holandês a francês já confirmaram a sua presença, à semelhança do comissário europeu para o Alargamento, Olli Rehn. O Presidente da Sérvia, Boris Tadic, também deverá comparecer em Potocari.

Ausência notada será a da procuradora-geral do Tribunal Penal Internacional de Haia para a ex-Jugoslávia (TPIJ), Carla del Ponte, em protesto pela não detenção dos ex-líderes político e militar dos sérvios bósnios, Radovan Karadzic e Ratko Mladic.

A celebração do massacre de Srebrenica, e a aproximação dos dez anos dos acordos de Dayton (Novembro de 1995), que pôs termo a três anos e meio de violenta guerra civil na ex-república jugoslava (Abril de 1992-Outubro 1995), vão desta forma permitir que durante algumas semanas os principais responsáveis internacionais voltem a concentrar a sua atenção na "questão bósnia".

O "buraco negro"

Esta região da Europa - que alguns especialistas gostam agora de designar por "Balcãs ocidentais" - tem permanecido em "letargia" desde o fim das hostilidades, e foi sendo progressivamente esquecida. Agora, arrisca tornar-se num "buraco negro", da Bósnia à Macedónia, Albânia, região do Kosovo e mesmo Sérvia-Montenegro, e permanente factor de instabilidade.

Apesar da considerável canalização de verbas para a reconstrução, num país que permanece administrado por um alto representante internacional com poderes discricionários, a Bósnia-Herzegovina ainda não conseguiu afirmar-se como um Estado viável.

Ao legitimar na prática a formação de três entidades distintas na Bósnia do pós-guerra (a dividida Federação croato-muçulmana, 51 por cento do território e a Republika Srpska [RS], que ocupa os restantes 49 por cento) os acordos de Dayton acabaram por legitimar a política de destruição, limpeza étnica e deslocamento forçado de populações praticada pelas três forças em conflito (os exércitos muçulmano, sérvio e croata bósnios) e de que Srebrenica constituiu o exemplo mais evidente. E as instituições centrais ainda permanecem reféns desta lógica de "partilha étnica".

Diversos estudos têm considerado que um dos motivos deste falhanço consiste na negligência face a um investimento sério nas "potencialidades humanas" locais, e que tem motivado a persistência de fenómenos como o nepotismo, corrupção generalizada, criminalidade organizada ou etnocentrismo.

Um recente relatório elaborado por especialistas europeus dissecava outro dos principais problemas da Bósnia: os "poderes ditatoriais" detidos pelo alto representante internacional, actualmente o diplomata britânico Paddy Ashdown, considerados um entrave ao reforço das instituições democráticas locais.

O documento refere ainda que, apesar do particular envolvimento da União Europeia (UE) na região dos Balcãs, mantém-se o crescimento zero, uma elevada taxa de desemprego, a corrupção generalizada e um enorme descontentamento. Por estes motivos, o documento sublinha o fracasso na tentativa em "oferecer uma perspectiva política convincente" às sociedades locais e alerta para a eventualidade de "novas fracturas" nas estruturas básicas da Bósnia.

O abandono da Bósnia vai contudo ser "contrariado" durante as próximas semanas. O ministro britânico dos Assuntos Europeus, Douglas Alexander, manifestou-se esperançado na abertura de negociações para um acordo de estabilização e associação com a UE no decurso da actual presidência rotativa britânica, que termina em Dezembro.Também Olli Rehn, considerou que a União poderá servir de "modelo" para a paz e a reconciliação nos Balcãs. Resta, uma vez mais, aguardar.

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