Fado, uma tradição viva no Teatro Nacional S. João

Espectáculo Cabelo Branco É Saudade, encenado por Ricardo Pais, com Alcindo
de Carvalho,
Celeste Rodrigues, Argentina Santos
e Ricardo Ribeiro

No Teatro Nacional São João, no Porto, estreia-se hoje Cabelo Branco É Saudade, o novo projecto de Ricardo Pais em torno do fado. Alcindo de Carvalho, Celeste Rodrigues e Argentina Santos, três octogenários, partilham as suas singulares vozes com a de Ricardo Ribeiro, de 24 anos, criando-se assim uma espécie de continuidade entre distintas gerações de fadistas, situação reforçada pela presença no palco de três jovens músicos: Bernardo Couto (guitarra), Nando Araújo (viola baixo) e Diogo Clemente (viola), que, aos 19 anos, assume também a direcção musical de um espectáculo atravessado sobretudo pela tradição mais castiça desta forma portuguesa de canto urbano. Ao assumir mais uma vez a direcção artística de um trabalho centrado no fado - recordem-se os anteriores Fados (CCB, 1994), Raízes Rurais. Paixões Urbanas (1998) e Regressos (2004) -, Ricardo Pais tem a intenção de "chamar a atenção para coisas que na realidade podem estar a desfocar-se". Para o encenador os fadistas por si convidados representam uma opção de gosto. "Gosto destes fadistas", sublinha. E, com entusiasmo, descreve a forma como contratou Ricardo Ribeiro para o espectáculo. Tudo se precipitou após a leitura de um artigo no Y, suplemento do PÚBLICO, no qual Fernando Magalhães entrevistava o cantor. Nesse mesmo dia, o director do Teatro Nacional São João (TNSJ) decidiu ir até uma casa de fados lisboeta, onde pôde assistir a uma actuação do fadista, tendo saído às quatro da manhã com um acordo para a sua participação em Cabelo Branco É Saudade.
Ricardo Pais considera mesmo Ricardo Ribeiro "a voz mais brilhante e castiça das mais recente geração de fadistas; ele é o continuador de uma tradição quase extinta, foi ensinado pelos melhores mestres e possui uma capacidade de invenção melódica infindável". O encenador sublinha as qualidades de todos os convidados, da técnica inesgotável de Argentina Santos -"pode passar meia hora a variar" - à dimensão de crooner de Alcino de Carvalho, passando pela "grande intérprete de músicas" que é Celeste Rodrigues. Todos pertencem a uma mitologia lisboeta, geograficamente situada em Alfama e na Mouraria. Todos têm o "jeito de abocanhar os poemas que é típico das casas de fado".

"Tradição viva e exigente"Existe também uma pretensão ética com este espectáculo relacionada com a intenção de se demonstrar que "não é necessário o fado distanciar-se tanto das suas origens para se fazer um belo espectáculo". Ricardo Pais pergunta: "O que é o fado senão uma herança de pequenos sítios, um lugar de tertúlia?" E recorda que se, em 1994, houve a intenção de emprestar uma dimensão teatral ao fado, incluindo-se durante a peça textos de Maria Velho da Costa, Paul Celan e Pedro Tamen, entre outros, agora o canto vive de si próprio, da sua própria dramaturgia, dos seus temas recorrentes: o amor, a morte e a saudade.
Para o director do TNSJ, em Cabelo Branco É Saudade tornam-se evidentes as particularidades de cada intérprete, a forma de cada um criar "pathos, drama, tensão e teatro". O cruzamento entre a serena rouquidão de Alcindo de Carvalho, a pose aristocrática de Celeste Rodrigues, a suspensão quase mística em que nos coloca Argentina Santos, depois de ter disparado frases como flechas, e as variações melódicas de Ricardo Ribeiro tornam este um espectáculo único, elegante, no qual se faz sentir que esta é ainda uma "tradição viva e exigente". Com cenografia e figurinos sóbrios de Nuno Carinhas, Cabelo Branco É Saudade está no palco do TNSJ até ao próximo dia 17, tendo já uma itinerância prevista por Viseu, Lisboa, Madrid e Paris, onde será apresentado na Cité de la Musique, em Junho de 2007.

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