Guerra de "preços mais baixos" nos hipermercados com ou sem aumento

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Dois grupos da distribuição alimentar congelam os preços em resposta ao aumento da taxa normal do IVA Miguel Silva/PÚBLICO

Operadores da grande distribuição alimentar anunciaram - provocando críticas dos concorrentes - que, com uma ou outra variante de estratégia, vão adoptar a partir de hoje uma política de congelamento dos preços de forma a não repercutir o aumento da taxa normal do IVA, de 19 por cento para 21 por cento, no que o consumidor vai ter que pagar pelas suas compras.

Para o grupo Jerónimo Martins, detentor dos supermercados Pingo Doce, esta é a "decisão consistente com a estratégia de preços sempre baixos" da empresa: "Decidimos absorver o aumento do IVA, não passando o ónus ao consumidor", explicou o director-geral do Pingo Doce, Eduardo Cid Correia. A campanha de congelamento de preços nesta empresa abrange "todos os produtos [que estavam] taxados a 19 por cento" e não está limitada no tempo, segundo informações veiculadas pelo departamento de comunicação do grupo.

Carrefour avança com cabaz de 737 produtos

O Carrefour Portugal cingiu o bloqueamento de preços a um cabaz de 737 produtos com a marca da empresa, fixados até final deste ano pelos valores que registavam a 20 de Maio. O administrador delegado do Carrefour Portugal, António Baptista, não afastou a possibilidade de a estratégia prosseguir em 2006 e garantiu que aqueles preços - registados notarialmente e com toda a operação sujeita a uma auditoria "para assegurar a credibilidade e transparência da mesma" - podem "vir a descer mais sempre que existam promoções". Para a empresa, esta campanha traduzir-se-á num "investimento de cerca de 500 mil euros até ao fim de 2005, se os clientes continuarem a comprar na mesma quantidade que compravam", calculou António Baptista, adiantando que a empresa está "preparada para ir até ao milhão de euros", suportando financeiramente a campanha com "um conjunto de medidas já em curso de melhoramento da eficiência administrativa da empresa".

Mas mesmo estas medidas não irão evitar o que não é possível evitar: a percepção de um aumento do custo de vida por parte dos consumidores, à semelhança, aliás, do que aconteceu em 2002 - quando a taxa normal do IVA subiu então de 17 por cento para 19 por cento, registou-se, de acordo com relatório da Direcção-Geral de Estudos e Previsão do Ministério das Finanças, um impacto nos preços de alguns bens e serviços de consumo frequente (entre eles produtos alimentares e bebidas sujeitos à taxa normal). Com efeito, mais de 40 por cento dos produtos comprados pelas famílias estão sujeitos à taxa normal do IVA (eram 45,5 por cento em 2000). E, a olhar para o cabaz de produtos usado no mais recente inquérito ao consumo das famílias elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística, em 2000, este aumento do IVA de 19 por cento para 21 por cento vai traduzir-se num acréscimo de mais 75 euros de despesa por ano e por família. Aliás, nas contas das despesas médias anuais dos agregados familiares, uns bons 18,7 por cento são gastos na classe dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas - são quase 2600 euros. A isto acresce que, apesar de uma significativa parte do pacote de produtos de consumo alimentar essenciais - como a carne, o peixe, o pão e o leite, os legumes frescos e as massas - ser taxada a 5 por cento ou 12 por cento, resta ainda uma lista importante de produtos sujeitos à taxa normal, que, inevitavelmente, têm peso no consumo das famílias.

José António Silva, presidente da Confederação do Comércio e Serviços, não acredita que aquelas estratégias sejam sustentáveis. "As empresas da grande distribuição alimentar trabalham com margens médias de lucro de quatro por cento e não me parece que seja possível abdicarem de metade dessas margens, por uma questão de saúde financeira." Já o presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, Luís Vieira e Silva, que é também director-geral do grupo Jerónimo Martins, considera que "cabe a cada empresa tomar a decisão comercial e a estratégia que entender", considerando "natural que exista uma forte competitividade", num "mercado de margens que não são muito folgadas".

Populismo e demagogia

Vários são os operadores, porém, que consideram ser bem mais importante "esclarecer o consumidor" e que olham para as estratégias de congelamento de preços com alguma desconfiança. João Magalhães, administrador dos Mosqueteiros em Portugal - dos supermercados e hipermercados Intermarché e Ecomarché - considera aquelas medidas "populistas e com alguma demagogia subjacente". "Não esclarecem na totalidade o consumidor, nomeadamente sobre quais os produtos que não vão ser sujeitos a aumento nem por quanto tempo a absorção do aumento do IVA vai ser mantida", afirmou.

De resto, João Magalhães reitera a "garantia de preços mais baixos, qualquer que seja o valor do IVA anexado à comercialização dos produtos presentes nas superfícies comerciais". Que é o mesmo diapasão pelo qual afina a Sonae Distribuição, declarando que a "subida de uma das taxas do IVA em nada irá alterar a posição de campeã de preços baixos" da empresa, nos hipermercados das insígnias Modelo Continente; assim como do grupo Auchan Portugal - detentor dos hipermercados Jumbo e lojas Pão de Açúcar -, que avança o compromisso de "ter os preços mais baixos quaisquer que sejam as alterações às taxas de IVA". O director-geral do grupo Auchan, Eduardo Igrejas, considera mesmo que "os impactos económicos desta política" de "garantir sempre o preço mais baixo em todos os artigos" se encontram previstos pela empresa e, por isso, não prevê "alterações nos objectivos de vendas líquidas ou nas margens". A bandeira continua a ser a dos "preços mais baixos": "Mais do que anúncios de congelamento de preços, o que os portugueses necessitam neste momento é de encontrarem soluções para reforçarem o seu poder de compra e qualidade de vida. É esse o nosso compromisso", declarou.
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