Críticos dizem que doutrina das Testemunhas de Jeová tem mudado

As Testemunhas de Jeová (TJ) fundamentam a sua recusa de transfusões de sangue em textos da Bíblia que interpretam literalmente. Apesar das interpretações que tem havido ao longo das décadas sobre a questão, há membros deste grupo religioso que contestam a proibição da transfusão, que consideram desajustada da interpretação bíblica. Ao mesmo tempo, acusam a Sociedade Torre de Vigia (STV), que lidera as TJ a nível mundial, de ter evoluído subtilmente nas suas posições oficiais, sem nunca o admitir publicamente. Como fundamento bíblico, há várias passagens usadas para justificar a recusa da transfusão do sangue. Por exemplo, logo no livro do Génesis (9, 1-4), quando Deus fala a Noé, lê-se: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Sereis temidos e respeitados por todos os animais da terra, por todas as aves do céu, por tudo quanto rasteja sobre a terra e por todos os peixes do mar; ponho-os à vossa disposição. Tudo o que se move e tem vida servir-vos-á de alimento; dou-vos tudo isso como já vos tinha dado as plantas verdes."
A frase é lida pelas TJ como uma ordem que, na tradução de uma das revistas deste grupo religioso, aparece do seguinte modo: "A carne com a vida nela, que é o sangue que está nela, não deveis comer."
Esta posição de recusa, que vem de há décadas, começou a mudar devagarinho, sendo alvo de revisões, dizem membros críticos da associação - acusação que a Associação das Testemunhas de Jeová recusa. Para estes crentes, que têm já uma página na Internet (http://www.a-questao-do-sangue.tk/), os corpos dirigentes da STV lançam a "confusão perante imperceptíveis mudanças numa doutrina que já custou a vida a muitas pessoas, incluindo crianças", como diz ao PÚBLICO Rui Fiel, pseudónimo de um dos elementos que contestam as orientações da STV.
De acordo com a mesma fonte, estes críticos vão desde simples crentes até médicos e advogados. Para eles, enquanto a STV proibia as transfusões, não havia questões. "Numa tentativa de alterar essa política de forma suave manteve-se a proibição, mas ao longo dos anos, desde a década de 80, têm sido autorizados mais e mais componentes sanguíneos englobando entretanto quase a totalidade dos existentes no sangue. Aos médicos essa medida veio facilitar o trabalho. Afinal é um não mais verbal do que real", diz Rui Fiel.
O problema é que a maioria das Testemunhas não compreende os termos médicos específicos utilizados nas listagens de componentes autorizadas, explica este crítico. "Muitas vezes nem têm acesso a elas, a não ser que se trate de "anciãos" [responsáveis locais] da organização. Pelo que, em caso de emergência, a primeira comunicação feita aos médicos é de "nenhum sangue". Até que chegue mais esclarecimento pode estar a ser perdido tempo valioso. As preocupações dos médicos nesta questão mantêm-se."
Rui Fiel diz que se passa o mesmo com as vacinas - que já foram uma "ferramenta do demónio", na década de 30, ou com o transplante de órgãos, proibido ainda há 30 anos, que era considerado "canibalismo". A doutrina oficial hoje mudou, acrescenta, e houve pessoas que responsabilizaram a organização pela morte de familiares que não aceitaram transplantes.
"Na questão do sangue as alterações deviam ser rápidas. As mudanças a conta-gotas prendem-se com o medo de processos judiciais. Mas em questão estão vidas, muitas delas de crianças", diz Rui Fiel, que diz ter um caso pessoal relacionado com a questão. António Marujo

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