Torne-se perito

RTP quer reduzir duração dos telejornais

O director de Informação da televisão pública, Luís Marinho, acha que em Portugal a duração dos telejornais se dilatou devido
à guerra de audiências e quer agora noticiários mais curtos.
Diz que as pressões políticas e económicas não são problema.

Crítico da mistura do entretenimento com a informação, Luís Marinho quer que o serviço público de televisão seja a referência da qualidade nesta área. Diz que jornalismo há só um, na televisão do Estado ou nas privadas, a quem acha que também se deve exigir qualidade. Com 24 anos de profissão, atribui a liderança de audiências da RTP na informação à "qualidade dos produtos". Para onde é que está a evoluir informação televisiva?
Acho que a informação de televisão é consumida de uma forma muito distraída. A preocupação, cada vez mais, é que as peças sejam curtas, que tenham o impacto noticioso essencial para que a atenção das pessoas possa ser reactivada a cada momento. As pessoas não estão religiosamente sentadas, com a atenção toda dedicada à televisão, têm sempre uma série de pequenos ou grandes ruídos à volta.
Penso que uma tendência que temos de procurar em Portugal, e aí mais uma vez a RTP poderá liderar o processo, será para que os espaços informativos possam ser mais reduzidos. Não estou a dizer que os vamos reduzir de imediato, mas penso que a duração dos telejornais é excessiva. Tirando situações em que há acontecimentos muito importantes, no dia a dia normal os espaços informação podem ser mais reduzidos, acrescentando-lhes qualidade.
Porque é que em Portugal os telejornais são tão dilatados? No resto da Europa e nos Estados Unidos são de meia hora a 40 minutos...
Tudo terá começado na guerra de audiências. A informação é um produto que tem muita audiência. Eu na SIC vivi muito esse processo, de uma luta de audiências muito cerrada e de se fazer quase contraprogramação entre jornais, de se ver quando é que se ia para intervalo. Na RTP já invertemos esse processo e agora os nossos critérios editoriais não obedecem à guerra de audiências. Penso que podemos tranquilamente liderar este processo de redução da duração dos noticiários. Tal como já liderámos no processo de olhar para um jornal e formatá-lo só por critérios estritamente editoriais, e não pela peça que vende mais e a peça que vende menos...
Como pensa caminhar nesse sentido?
Não estou a dizer que em Setembro vamos fazer o jornal mais pequeno. O que estou a dizer é que é um objectivo a médio prazo, mas sem data definida.
Que mais deveria mudar na informação televisiva portuguesa?
Acho que ainda vive muito à base de alguma mistura entre informação e entretenimento... nalguns canais de forma nítida e evidente.
Quais devem ser os limites do entretenimento na informação?
Não é uma questão de limites. Acho que um jornal deve reflectir um pouco os interesses e as preocupações de uma sociedade. Não tem de ser só política, só internacional, só notícias de sociedade, saúde, etc. Se houver um grande acontecimento musical, tem de estar lá.... Têm é de ser coisas realmente importantes. E depois há estações que promovem os seus produtos dentro dos espaços informativos, como se esse produto, por ser dessa estação, fosse matéria noticiosa que coubesse num telejornal. Penso que essa confusão não se deve fazer.
No serviço público a informação tem de ter características diferentes das do sector privado?
Não há jornalismo de serviço público e de serviço privado. Há só jornalismo. É evidente que uma estação de serviço público tem alguns deveres acrescidos em relação a outras estações. Mas a regra essencial, e acho que isto deve ficar muito claro, porque muitas vezes é esquecido, é que quer a televisão de serviço público quer as privadas têm regras comuns no que diz respeito aos serviços informativos e ao jornalismo.
Quando as pessoas estão constantemente a fazer exigências, e bem, ao serviço público, devem também fazê-las aos privados. Porque há uma concessão do Estado e essa concessão tem regras.
O serviço público poderá ir definindo padrões de qualidade?
Sim. O que queremos é que a informação da RTP seja de facto a referência. Para as pessoas terem formas de comparar o que se faz aqui e o que se faz nas outras estações.
O que pensa da ideia dos provedores dos espectadores?
É um elemento muito interessante de ligação entre o público e, neste caso, a informação, ou mesmo a televisão pública. Terá de ser uma pessoa que tenha conhecimento profundo do meio. Acho que só teoria, neste caso, é pouco. E também devem ser pessoas que tenham já algum afastamento em relação ao dia a dia da televisão.
A exploração das emoções, do sofrimento das pessoas, na informação pode/deve ir até que ponto?
Essa é uma questão que abordamos com o maior cuidado. Achamos que o sofrimento das pessoas não pode ser explorado para conquistar audiências, e até muitas vezes para deformar a própria informação. Mas se assistirmos a um bombardeamento, não podemos ignorar o sofrimento que ele causou. Não podemos fazer só o jornalismo limpo. O sangue existe. Não podemos é fazer do sangue o objecto principal do jornalismo.
Pode um canal ignorar ou dar pouco espaço a uma história que está a ter grande destaque nos outros canais?
Se entendermos que essa notícia não merece abertura ou não merece um tratamento especial, temos de ter a força de ir contra a corrente.
A informação da RTP vive então em função de quê? Já disse que não é em função das audiências...
O que não quer dizer que não estejamos atentos a elas. Agora não fazemos informação a pensar que se fizermos assim temos esta audiência, se fizermos desta maneira temos outra. Fazemos em função dos nossos critérios jornalísticos e dos nossos critérios editoriais. Sabemos que, a não ser em casos de grandes acidentes ou de começar uma guerra, a actualidade internacional nunca abre jornais. E nós temos aberto várias vezes o Telejornal com questões europeias, por exemplo.
Sente-se há anos um menor peso da informação internacional nos telejornais. Num mundo globalizado, não faria sentido o contrário?
Isso acontece a partir do momento em que há um maior peso da informação sobre questões sociais nacionais, que vai carregando os jornais. E a tendência é para dar a realidade nacional. Concordo que às vezes o pecado é desvalorizar demasiado o noticiário internacional que tem reflexos em Portugal, ou que acrescenta conhecimentos às pessoas.
A informação da RTP lidera as audiências, no Telejornal e no Jornal da Tarde. A que atribui isso?
Ao reconhecimento da qualidade dos produtos. Sabemos que não basta fazer informação de qualidade, que é preciso que ao longo do dia a estação vá garantindo audiência. Os arranques dos jornais são importantes, e às vezes as audiências dependem disso. Sabemos que competimos bem ao nível da informação, não estamos a competir tão bem ao nível de programas.
Diria que as pessoas têm mais confiança na nossa informação. Isso é muito evidente quando há situações mais complicadas. Por exemplo, no funeral do dr. Cunhal, durante a tarde, a RTP liderou. É uma altura em que não costuma liderar. Basta haver um acontecimento com alguma relevância e as pessoas, por tendência, procuram na RTP. Se lhes dermos um bom produto, ficam.
As audiências da RTP têm um maior peso da população com mais idade, mesmo na informação...
Isso é uma herança, que não é necessariamente má. Do ponto de vista comercial, não é o ideal. Penso que isso tem vindo a ser bastante alterado. Hoje o público da RTP é muito mais rejuvenescido do que há uns anos...
A RTP1 distingue-se face aos outros canais generalistas por ter mais informação e debate fora dos noticiários. Isso penaliza as audiências?
Se tivéssemos muitos programas de anedotas, naturalmente que tínhamos mais audiências. Agora temos de conseguir um bom equilíbrio entre entretenimento, que é fundamental na televisão generalista, e informação. Quando se olha para os programas de referência da RTP, boa parte deles são de informação. Nalguns casos pode ser penalizador, noutros não.
A sua subida a director, com o José Alberto de Carvalho, representa uma vitória póstuma de Emídio Rangel na RTP? São ambos de alguma forma herdeiros dele...
Não diria vitória póstuma. Serei sempre amigo do Emídio Rangel e gosto muito dele, esteja ele muito bem ou esteja ele muito mal. Agora eu, o José Alberto e a direcção e, sobretudo, a redacção, temos uma estratégia própria. Aprendi muito com o Emídio, sem dúvida nenhuma, mas a minha vida profissional não foi feita só com ele, foi feita de outras experiências.

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