Lidija Kolovrat rendeu-se à sensualidade da capital

É num magnífico prédio antigo
da Rua do Salitre que a designer
de moda bósnia cria roupagens
que nem todos ousam vestir.
"Há uma sensibilidade árabe aqui,
e isso é lindo", diz sobre Lisboa

Quando era nova e nas aulas em Zagreb calhava mencionar-se Lisboa, interrogava-se: "Como será Lisboa?". Mal sabia Lidija Kolovrat, uma bósnia hoje com 43 anos, que havia de se apaixonar pelas reminiscências árabes que a cidade lhe invoca e que seria aqui que ganharia notoriedade, quer como designer de moda quer como artista.O corpo atlético move-se em gestos quase de Pina Bausch quando conta o dia em que descobriu o belíssimo prédio modernista no topo da Rua do Salitre, quase à Rua Nova de S. Mamede, onde montou loja e atelier. Andava há meses à procura de um sítio. Ia almoçar ali perto com um amigo, ao restaurante tibetano, e viu as sedutoras janelas da antiga padaria devoluta. Não havia anúncio de trespasse nem coisa nenhuma, mas a coisa fez-se logo ali: conversaram com um barbeiro umas portas adiante e nessa tarde já tinha a chave na mão. Ainda hoje a loja mantém o sugestivo nome da galeria que ali existia antes: Pedro e o Lobo.
O senhorio septuagenário - que entretanto morreu - tornou-se amigo para o resto da vida. "Muita gente pensa que alta costura é costura no sétimo andar", costumava dizer-lhe, quando saíam à noite, apesar da diferença de idades. Não lhe causavam estranheza, como por vezes ainda acontece com quem passa pela loja, as roupagens extravagantes com que Lidija cobre os corpos que ousam desafiar as regras e vestir as suas criações.
A estilista gosta de correr mundo, e Lisboa tem sido a base nos últimos 15 anos. A partir daqui já conheceu a China, a India, o Nepal, esteve em África, nos Estados Unidos. À terra onde nasceu não tem regressado muito: chegou a estar 13 anos sem lá voltar. "Gosto da Bósnia, mas não tenho necessidade de lá ir. Há tantos sítios novos para descobrir...". Já ao feitiço de Lisboa não consegue escapar: "Há uma sensibilidade árabe aqui, e isso é lindo". Chegou a morar num último andar da Avenida da Liberdade, a que chama Broadway à escala portuguesa, e cuja mistura de gentes e de linguajares apreciava mais do que tudo. Hoje está prestes a mudar-se para uma casa apalaçada nas imediações da Sé donde todos os dias contemplará o Tejo, outra das suas grandes paixões em Lisboa.
Lidija desdobra-se em exposições, performances, vídeos, instalações e outros projectos artísticos, até porque também tem formação na área do cinema. E vai abrir um espaço na Trindade onde venderá objectos de design como amendoins verdadeiros recobertos de prata e transformados em pins. O efeito final é no mínimo bizarro, com a vantagem de que se o dono se fartar da peça pode sempre comê-la.
Em 1990, quando chegou a Portugal com um marido holandês que era músico e uma filha nos braços, não o teria conseguido. "Levou ano e meio para eu falar fluído", diz, num tagarelar convicto, pontuado aqui e ali por expressões castelhanas. "Os tempos verbais eram o pior: nunca percebia se as coisas de que me estavam a falar já tinham acontecido ou ainda iam acontecer".
Hoje Lidija Kolovrat tem rituais. De manhã vai à piscina e faz banho turco, enquanto para passar as noites escolhe muitas vezes a Bicaense, na Bica, ou no Clube da Esquina, no Bairro Alto. As suas colecções passaram a ser presença habitual dos desfiles da ModaLisboa.
O trânsito caótico não lhe faz mossa. Anda muito de táxi e quando se lhe pergunta do que gosta menos em Lisboa fala da falta da desconfiança que leva as pessoas olharem de lado tudo o que é diferente e foge às normas. "A alma portuguesa tem grandeza. Mas no dia-a-dia as pessoas gerem isso com muita dificuldade. Os portugueses deixam-se levar pouco, só se libertam quando bebem bastante", observa. "Há pessoas que levam tudo de uma forma muito dura: dizem "não" o tempo todo sem sequer se aperceberem disso".
Chiado e Alfama são dois dos seus lugares de eleição na cidade, mas os outros sítios encantam-na igualmente. "Fiz parte do júri das marchas populares durante dois anos e percebi que cada bairro tem o seu espírito".
"Lisboa tem a ver com Buenos Aires, com Nápoles: é sensual, tem muita alma", declara, com a certeza de quem ainda não descobriu todas as suas encantatórias gentes.

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