MUÇULMANOS EM PORTUGAL um retrato inédito

Dois jornalistas do PÚBLICO, Alexandra Prado Coelho e Daniel Rocha, acompanharam durante um ano a vida da comunidade islâmica. O resultado dessa reportagem deu agora lugar a livro, com dezenas de fotografias, que o PÚBLICO edita com o jornal amanhã, segunda-feira, por 18 euros

Lisboa, duas horas de uma madrugada de Novembro. A Mesquita Central de Lisboa, na Praça de Espanha, está cheia. À volta, a cidade dorme. Mas, na noite mais longa do Ramadão, o mês sagrado do calendário islâsmico, muitos muçulmanos não dormem. Ficam em vigília nas mesquitas, porque acreditam que foi nessa noite que começou a revelação do Corão, que Deus falou pela primeira vez com o profeta Maomé.Na cozinha da Mesquita Central, mulheres guineenses de ancas largas, vestidos coloridos e lenços enrolados à cabeça, mexem grandes panelas de comida. Na sala de orações muita gente reza, num coro de vozes que por vezes sobe, outras baixa, de repente, transformado-se num murmúrio. Foi no Ramadão de 2003 - esse mês em que os muçulmanos jejuam todo o dia e se reúnem à noite para comer e orar - que os jornalistas do PÚBLICO Alexandra Prado Coelho e Daniel Rocha, fotógrafo, começaram a acompanhar a vida da comunidade muçulmana em Portugal. Durante um ano estiveram nas madrassas - as escolas religiosas onde as crianças aprendem o islão e o árabe com os xeques -, foram às festas, partilharam muitas quebras de jejum - mais picantes as dos muçulmanos de origem indiana vindos de Moçambique, mais doces, com o tradicional arroz açucarado (o gossi), as dos guineenses - despediram-se no aeroporto dos que partiam em peregrinação a Meca, falaram com jovens e menos jovens, encontraram curandeiros guineenses, foram a talhos de carne halal, ouviram muitas histórias. O livro Onde Fica Meca Quando se Olha de Lisboa é o resultado desse ano a viver de perto com os muçulmanos de Portugal.
Por este livro passam todas estas histórias, as dos primeiros muçulmanos que chegaram ao nosso país vindos de Moçambique, ainda nos anos 50, para estudar nas universidades; as dos guineenses que vieram mais tarde, muitos deles à procura das reformas do Estado português, para o qual tinham trabalhado antes da independência da Guiné. Mas também as dos novos imigrantes, os que começaram a chegar nos anos 1990, vindos de países que não têm o português como língua comum - o Bangladesh, o Paquistão, Marrocos. Foram-se instalando e hoje a comunidade do Bangladesh, por exemplo, é dominante no comércio do Martim Moniz. De tal forma, que já abriu uma mesquita na zona, à semelhança de muitos outros espaços de culto islâmico que entretanto foram surgindo nos bairros onde habitam famílias muçulmanas, como Odivelas ou o Laranjeiro.
Mas a Mesquita Central continua a ser o local preferido para as grandes festas, os casamentos, as reuniões. Foi aí que se reuniu um grupo de portugueses convertidos ao islão, para falar da experiência de escolher ser muçulmano quando se nasceu e cresceu numa cultura católica.
Para perceber a essência e a especificidade do islão, o papel dos imãs, a relação com a cultura árabe, a figura de Deus, as normas religiosas, a importância do Corão, o livro inclui uma entrevista com Abdool Karim Vakil, professor no King"s College em Londres, muçulmano, português, e um profundo conhecedor desta realidade.
Onde Fica Meca Quando se Olha de Lisboa é um trabalho inédito, com muitas dezenas de fotografias. Numa altura em que por todo o mundo se fala de islão e de muçulmanos, nunca tinha sido feito em Portugal um retrato tão profundo desta comunidade. Quando existe publicado tanto material sobre os muçulmanos em Espanha, em França ou no Reino Unido, vale a pena conhecer uma comunidade com um percurso próprio, muito diferente de outras na Europa, e um islão que é também português.

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