120 retratos expressionistas de Lerski na Culturgest

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Helmar Lerski cruzou as propostas radicais da vanguarda fotográfica com os ensinamentos do cinema mudo DR

É um retrato anónimo de Leo Uschatz, o rosto fétiche fotografado em close-up centenas de vezes por Lerski, exactamente na mesma altura.

É por esta e outras fotografias não assinadas que ficamos a perceber um pouco quem é Leo Uschatz, porque com os 120 close-up a ideia é mesmo mostrar, como escreveu o histórico crítico de cinema alemão Siegfried Kracauer, "centenas de rostos diferentes, incluindo a de um herói, um profeta, um camponês, um soldado a morrer, uma mulher velha e um monge a partir de uma única face original". Ou, nas palavras de Lerski, que "em cada ser humano há de tudo; a questão é apenas onde a luz incide".

As 120 fotografias fazem parte de uma série de 150, feitas por Lerski entre 1935 e 1936 no terraço de Telavive, numa exposição comissariada pelo Museu Folkwang, em Essen (Alemanha), que está em itinerânica, intitulada Helmar Lerski - Metamorfoses pela Luz.

Lerski nasceu em Estrasburgo em 1871 como Israel Schmuklerski, mas a cidade da família era Zurique. Este judeu suíço emigrou para os EUA, onde trabalhou como actor e abriu um estúdio de fotografia em Milwaukee. Em 1915, regressou à Europa, iniciando uma carreira no cinema. Durante dez anos, trabalhou como cameraman, técnico de luz e especialista em efeitos especiais de muitos filmes expressionistas mudos em Berlim, entre os quais Metropolis (1925/26), de Fritz Lang. No final dos anos 20, centrou-se novamente no retrato e fez parte do movimento de vanguarda que quis introduzir mudanças radicais na linguagem da imagem fotográfica. Na lendária exposição Film und Foto (1929), em que a Nova Fotografia ou a Nova Objectividade fez a sua primeira grande aparição, estava representado com 15 fotografias.

"Mas as fotografias de Lerski só em parte alinhavam com as máximas da Nova Fotografia, e questionavam a validade da pura objectividade", escreveu Peter Pfrunder, director da Fundação Suíça da Fotografia, onde a exposição esteve antes de Lisboa. "Apesar de os seus close-up capturarem as características essenciais de um rosto - olhos, nariz e boca -, a sua primeira preocupação não era a aparência individual ou a semelhança superficial, mas o profundo potencial interior: ele enfatizava a mudança, as diferentes faces de um indivíduo." Pfrunder defende que as fotografias de Lerski podem ser vistas como um contraponto às de August Sander, um dos fotógrafos mais importantes da Nova Objectividade, que ao mesmo tempo trabalhava no seu projecto Pessoas do Século XX, tentando fazer uma classificação fotográfica da população alemã.

No terraço de Telavive, com a ajuda de 16 espelhos e filtros, Lerski dirigiu a luz natural do sol sobre o rosto de Leo Uschatz, experimentando as constantes variações e refracções da luz. A directora da colecção de fotografia do Museu Folkwang, Ute Eskildsen, que assina o texto no catálogo geral da LisboaPhoto, diz que não podemos esquecer a actividade de Lerski no âmbito do cinema mudo e que a sua obra "poderia ser caracterizada como expressionismo fotográfico", um movimento artístico que não existiu na realidade, "mas de que Metamorfoses pela Luz é a sua expressão específica no campo da fotografia".

Na secção documental da exposição está uma carta de Edward Steichen, mítico director do departamento de fotografia do Museum of Modern Art de Nova Iorque em 1948, onde este exprime a Lerski a sua "admiração pessoal pela sua explêndida contribuição para a arte da fotografia".

O comissário-geral da LisboaPhoto, Sérgio Mah, escolheu Lerski porque "é alguém que questiona um dos géneros arquétipos da fotografia - neste caso o retrato".

HELMAR LERSKI - METAMORFOSES PELA LUZ

LISBOA Culturgest, Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos, R. Arco do Cego. De 2ª a 6ª, das 11h às 19h; sáb., dom e feriados das 14h às 20h. Até 3 de Julho. Tel.: 217905155.

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