Ian Curtis, o primeiro mártir do rock dos anos 80

O vocalista dos Joy Division morreu a 18 de Maio de 1980. Vinte e cinco anos depois, os New Order actuam em Lisboa. Por Amílcar Correia

O epitáfio de Ian Curtis, no cemitério de Macclesfield, Cheshire, nas imediações de Manchester, não poderia ser mais apropriado: Love Will Tear Us Apart. A canção, que hoje é um clássico da iconografia pop-rock, perdura como registo autobiográfico de uma estrela tão ascendente quanto suicida. Lançado postumamente, Love Will Tear Us Apart foi o tema mais funesto gravado pelos Joy Division e o single do grupo que mais subiu na tabela de vendas inglesa (um modesto 13º lugar). A canção já conheceu várias versões (de Paul Young aos Nouvelle Vague) e foi nomeada para o prémio de melhor tema dos últimos 25 anos da música britânica (ganhou Robbie Williams...).Juntamente com Closer, segundo álbum de originais, o tema contribuiu para imortalizar uma banda cuja importância é inversamente proporcional à sua duração e transformar Curtis no primeiro mártir rock dos anos 80. Anos que não viveu de todo, mas que influenciou como ninguém. Ian Curtis suicidou-se na sua casa de Macclesfield a 18 de Maio de 1980, depois de assistir a um filme de Werner Herzog e de ouvir The Idiot, de Iggy Pop. Morreu prestes a partir para uma digressão pelos EUA, de forma aparentemente premeditada, no auge da carreira do grupo e depois de concluído um dos seus sonhos: ser capa do New Musical Express.
As suas últimas canções eram já bilhetes desesperados de despedida, resultado de uma vida amorosa tortuosa e de uma epilepsia que nunca quis assumir frontalmente. As duas últimas letras que escreveu, as de Ceremony e de In a Lonely Place (com que os sucessores New Order se estrearam), são esclarecedoras quanto às suas intenções lúgubres. Assim como as imagens de Closer. Peter Saville, o designer das capas do grupo e da esmagadora maioria dos discos da defunta Factory Records, escolhera sem saber a mortalha ideal para o vocalista dos Joy Division: as fotografias do cemitério de Staglieno, em Génova, da autoria de Bernard Pierre Wolff. Vinte e cinco anos depois, Saville reconheceu, à Mojo de Abril, que Curtis fizera da capa de Closer mais uma nota para o seu suicídio.

Punk ou post-punk?"Os Joy Division não eram punk, mas eram directamente inspirados pela sua energia". Jon Savage, uma das vozes críticas essenciais dos anos 80, sabe o que diz. No início, o grupo chegou a chamar-se Warsaw, em homenagem a David Bowie (o primeiro tema do lado B de Low chamava-se Warszawa), quando pelo palco do Electric Circus passavam os The Buzzcocks, os The Fall e outras bandas que faziam de Manchester o pólo criativo que varreu o final da década de 70 e da década seguinte. A proximidade fonética com o nome de uma banda que nunca deixou a obscuridade foi o argumento para a mudança de nome para Joy Division - a ala dos campos de concentração nazis destinada ao trabalho sexual forçado.
Temas iniciais como At Later Date ou Digital têm essa energia vital do punk de que fala Savage, substituída depois pela sofisticação de estúdio que a produção de Martin Hannett introduziu em Atmosphere ou Decades e que contribuiu em larga escala para formatar toda a música dos anos 80. O que então se convencionou chamar post-punk não seria o mesmo sem a turbulência de Curtis, a guitarra de Bernard Sumner, o baixo de Peter Hook e a bateria sincopada de Steve Morris.
Vinte e cinco anos após o desaparecimento dos Joy Division, Sumner, Hook e Morris continuam em actividade. Wainting for the Sirens" Call, o último disco dos New Order, gravado após quatro anos de interregno, coincide com a actual reutilização da sonoridade da Manchester desses anos. Grupos como Interpol, The Futureheads ou The Killers procuram nos velhos temas dos Joy Division alimento para a linguagem rock de hoje. E Anton Corbijn encontrou razões para filmar em Touching from a Distance, a biografia que a viúva Deborah escreveu sobre Curtis em 1995. O concerto dos New Order, no Super Bock Super Rock, em Lisboa, no dia 28 deste mês, será a ocasião especial para a homenagem.

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