Lygia Fagundes Telles vence Prémio Camões

Aos 82 anos, a
escritora paulista
é considerada
"a grande dama da literatura brasileira". Sucede a Agustina Bessa-Luís como vencedora da maior distinção da língua portuguesa

Fuma cigarros Cartier, bebe café misturado com água e vinho do Porto e, aos 82 anos, cumpridos em Abril último, continua a somar prémios. Lygia Fagundes Telles, considerada "a grande dama da literatura brasileira", foi ontem distinguida com o Prémio Camões, instituído pelos Governos português e brasileiro em 1988 e atribuído na última edição à portuguesa Agustina Bessa-Luís. A autora de romances como As Meninas (1973) e Ciranda de Pedra (1954) embolsará, assim, cem mil euros.O mais importante prémio da língua portuguesa foi atribuído por um júri composto por Vasco Graça Moura e Agustina Bessa-Luís (Portugal), António Carlos Secchin e Ivan Junqueira (Brasil), José Eduardo Agualusa (Angola) e Germado de Almeida (Cabo Verde), ontem reunido na Fundação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no Brasil. Ao final do dia de ontem, as informações que dali chegavam eram ainda escassas.
O nome de Lygia Fagundes Telles já tinha sido defendido para a atribuição do Prémio Camões em anos anteriores, nomeadamente pelo português Urbano Tavares Rodrigues, sendo também conhecida a admiração que por esta autora nutre, por exemplo, o Prémio Nobel José Saramago, que inclusivamente escreveu um ensaio sobre Lygia, publicado nos Cadernos de Literatura, do Instituto Moreira Salles, do Brasil.
Celebrizada sobretudo como contista, Lygia Fagundes Telles é um nome relativamente conhecido em Portugal, onde estão publicados vários títulos: Antes do Baile Verde, Histórias de Desencontros, A Disciplina do Amor, As Meninas, Ciranda de Pedra, A Noite Escura e Mais Eu e A Estrutura da Bola de Sabão. Segundo a agência Lusa, a editora Livros do Brasil planeia lançar agora reedições de algumas destas obras, muitas das quais se encontram esgotadas, e promover, ainda este ano, o lançamento de novos títulos e a vinda da escritora a Portugal. Lygia participou ainda, em 2001, na colectânea Porto. Ficção, que a editora ASA publicou a propósito da Capital Europeia da Cultura.
O Prémio Camões, que tem como objectivo estreitar os laços culturais entre os vários países lusófonos, é atribuído pelo conjunto da obra dos autores, por muito que estes sejam avessos ao conceito. A própria Lygia Fagundes Telles admitiu em várias ocasiões não gostar da palavra. "Dá uma imponência, uma pomposidade... É apenas o meu trabalho", referiu, em 1998, numa entrevista ao jornal O Globo.

Obra traduzida em oito línguas
Possuidora de um estilo irónico e contundente, a autora imprime uma forte marca pessoal no texto, subvertendo frequentemente as regras da pontuação. "Os revisores, estes rapazes e moças maravilhosos, que trabalham honestamente, às vezes não entendem a importância de uma vírgula. Você pode dizer que isso é um detalhe, mas a pontuação é fundamental, é a respiração do escritor. Se a forma é atingida, o conteúdo é atingido. Lendo em voz alta, reencontrei a minha respiração", explicou naquela entrevista.
Traduzida em alemão, castelhano, francês, inglês, italiano, polaco, sueco e checo, a obra da escritora de S. Paulo principiou em 1938, com o livro de contos Porão e Sobrado, publicado a expensas do pai. Anteriormente tinha vencido por três vezes o mais importante prémio de literatura brasileira, o Jabuti, atribuído pela Câmara Brasileira do Livro, bem como os prémios Guimarães Rosa e do Instituto Nacional do Livro, entre outros. O romance As Meninas foi objecto de adaptações para o cinema e para o teatro, enquanto Ciranda de Pedra foi, em 1981, transformado numa telenovela da Globo.
Nos últimos anos, a sua obra tem vindo a ser republicada, no Brasil, pela editora Rocco, em edições revistas pela própria Lygia Fagundes Telles. Na já referida entrevista ao jornal O Globo, a escritora contou, aliás, que, ao rever aqueles dois romances, chegou a comover-se como no momento em que os escreveu. Invenções e Memória, publicado em 2000, é o seu mais recente título, embora tenha editado, em 2004, as colectâneas de contos Histórias de Mistério e Meus Contos Preferidos.
A ocupante da cadeira número 16 da Academia Brasileira de Letras desde 1987 é a sétima autora brasileira a conquistar o Prémio Camões, depois de João Cabral de Mello Neto, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, António Cândido, Autran Dourado e Rubem Fonseca. Miguel Torga foi o primeiro galardoado, em 1989, contando-se ainda, entre os vencedores, os nomes de José Craveirinha (Moçambique), Virgílio Ferreira, José Saramago, Eduardo Lourenço, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade, Maria Velho da Costa e Pepetela (Angola). Só por duas vezes o prémio não foi atribuído a autores portugueses ou brasileiros.

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