Mediação de Xanana pode resolver conflito entre Alkatiri e os bispos
Ambas as partes estão muito renitentes em acabar com o conflito entre a hierarquia local da Igreja Católica e o Executivo de Alkatiri, um muçulmano de ascendência iemenita, pelo que todas as esperanças estão depositadas na mediação do Presidente, tido como o grande conciliador, bem como para os bons ofícios do bispo resignatário de Díli, Carlos Filipe Ximenes Belo, actualmente a trabalhar numa paróquia moçambicana.
"Ninguém quer dar o braço a torcer", disse ao PÚBLICO por e-mail uma timorense que preferiu não se identificar, depois de nos últimos oito dias se terem extremado as posições entre os bispos e o Governo dirigido por um dos fundadores da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
Apesar de a generalidade da população entender que já se foi longe de mais e que é tempo de acabar com as divergências entre aqueles que estiveram unidos na luta contra a ocupação indonésia, parece difícil o episcopado recuar, depois de ter ido tão longe na sua confrontação com o poder político.
"Talvez se devesse ter auscultado mais a hierarquia católica" antes de se ter tornado facultativo, e já não obrigatório, o ensino de Religião e Moral, reconheceu já o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, José Ramos-Horta, que em 1996 partilhou com Ximenes Belo o Prémio Nobel da Paz, pela acção de ambos contra a ocupação de Timor-Leste pela Indonésia.
O Governo teria falhado na forma como optou pelo ensino facultativo da religião, numa terra onde mais de 90 por cento da população se assume actualmente como cristã, que mais não seja como forma de independência perante o grande país vizinho, maioritariamente muçulmano.
A Igreja local, por seu turno, resolveu politizar a questão, indo para um autêntico braço-de-ferro contra uma "democracia marxista de modelo chinês ou terceiro-mundista", como resolveu chamar-lhe, em carta pastoral.
O presidente do Parlamento e da Fretilin, Francisco Guterres, "Lu-Olo", disse em conferência de imprensa que todo o seu partido "cerra fileiras" em redor de Alkatiri, se bem que haja em Díli quem entenda existir algum descontentamento dentro da força política maioritária.
"A Fretilin nunca aceitará um golpe de Estado", sublinhou Guterres, citado pela Lusa. E logo recordou a experiência de 1975, quando uma guerra civil entre diversas facções timorenses serviu de pretexto para que Jacarta decidisse invadir e anexar o país.
"É necessário que o Governo e a Igreja mantenham um diálogo, em busca de soluções para as preocupações dos bispos e das massas", disse o chefe de Estado, perante esta situação tão delicada, indício de que o futuro próximo não se apresenta fácil para os timorenses.
Vigília constante junto à sede do GovernoAlguns milhares de manifestantes, em parte conduzidos de camião para a capital, a partir do interior, têm-se revezado e mantido uma vigília constante junto à sede do Governo, se bem que nas suas declarações à imprensa Alkatiri e Ramos-Horta procurem minimizar o número dos que protestam, dizendo que são apenas de 500 a 1000.
As perto de 6000 pessoas que não são da capital encontram-se ali a pernoitar em residências de religiosos, parques e jardins situados junto às igrejas, para depois irem render as que vão rezando o terço e assistindo à actuação de alguns músicos.
Ostentando imagens religiosas, os católicos concentrados em Díli alternam as orações e os hinos com apelos à demissão do primeiro-ministro, que durante a ocupação indonésia viveu exilado em Moçambique, à sombra da Frelimo, de Samora Machel e Joaquim Chissano.
Por seu turno, o ministro do Interior, Rogério Lobato, já desafiou "os padres que queiram fazer política" a despirem a batina e a inscreverem-se num partido, em vez de utilizarem os símbolos da religião para fins muito pouco católicos.