Joschka Fischer vai hoje depor sobre caso dos vistos
Um sintoma da importância desta audiência, que será transmitida em directo pela televisão, é o facto de o ministro ecologista não ter integrado a comitiva oficial alemã a Roma para a entronização do Papa Bento XVI. Em vez de congratular o Papa alemão, Fischer ficou em Berlim a estudar os mais de dossiers enviados pelo MNE para a comissão de inquérito. Uma "palavra em falso e a sua carreira pode terminar abruptamente", analisava o "Die Welt am Sonntag".
O que desencadeou este caso, com consequências imprevisíveis para o chefe da diplomacia germânica, foi um decreto ministerial subscrito em Março de 2000 pelo secretário de Estado ecologista, Ludger Volmer, que aconselhava os trabalhadores consulares a serem benevolentes na análise dos pedidos de visto. O decreto assentava no princípio " in dubio pro libertate", na dúvida pró liberdade de viajar para a Alemanha.
A complacência do MNE alemão suscitou um aumento exponencial do número de vistos emitidos. Por exemplo, em 2001 a Embaixada da Alemanha em Kiev estava a emitir 2 mil vistos "turísticos" diários e no final desse ano tinha passado cerca 300 mil vistos a ucranianos. Na altura, a embaixada notificou Berlim que "a maioria dos pretendentes não querem viajar por motivos legais, mas planeiam trabalhar ilegalmente no espaço de Schengen". Uma reportagem televisiva do canal público ZDF encontrou a pista de alguns desses ucranianos em Portugal. Mais tarde, em Maio de 2002, Bernhard Falk, vice-presidente da BKA, polícia criminal federal, alertou para o tráfico de vistos que "é controlado por importantes organizações criminais internacionais" e recomendava que se investigasse uma empresa obscura à qual o MNE concedeu 172 mil vistos "em branco".
O caso dos vistos turísticos foi apimentado em Junho de 2003 por um outro escândalo mediático, o "affaire" Friedmann. Michel Friedmann, advogado, vice-presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha e apresentador televisivo, abandonou estas duas últimas funções após se ter tornado público que consumiu cocaína num hotel berlinense acompanhado por várias prostitutas ucranianas. Nos seus depoimentos as mulheres afirmaram terem entrado na Alemanha com vistos turísticos. Será também em 2003 que Joschka Fischer, segundo afirmações do próprio, terá tomado conhecimento das práticas abusivas e tomado medidas.
Para a oposição democrata-cristã e liberal, responsável pela convocação da comissão de inquérito, é óbvio que tanto Volmer (entretanto deixou o MNE), como Fischer, ignoraram as sirenes de alarme, o que possibilitou a entrada na Alemanha e no espaço de Schengen de "milhares de imigrantes ilegais, prostitutas e criminosos".
A estrela de Fischer, durante anos o mais popular dos políticos alemães, está a esmorecer. Enfrenta, por um lado, um esvaziamento de significado da sua função uma vez que, seguindo a tradição alemã, o chanceler se ocupa pessoalmente das relações bilaterais com os parceiros mais importantes: França, EUA, Rússia, China e estados árabes. Por outro lado é objecto de um antagonismo em surdina pelos altos funcionários do seu ministério.