Ratzinger: o guardião da ortodoxia doutrinária

O cardeal Joseph Ratzinger, eleito hoje Papa com o nome de Bento XVI, é conhecido do público como o guardião da ortodoxia doutrinária da Igreja Católica, um reconhecimento resultante dos 23 anos em que presidiu à Congregação para a Doutrina da Fé.

Nomeado para o cargo pelo seu antecessor, João Paulo II, em Novembro de 1981, Ratzinger tornou-se rapidamente um dos homens mais influentes da Cúria Romana e um dos cardeais mais próximos de Karol Wojtila, a quem acompanhou até à morte. Decano do colégio de cardeais, presidiu às cerimónias fúnebres de João Paulo II, tendo influenciado grande parte das decisões tomadas durante a “sede vacante” (o período que medeia entre a morte de um Papa e a eleição do seu antecessor) – o que lhe valeu ser apontado como um dos favoritos à sucessão.

Chefe da mais antiga congregação da Cúria – até 1908 apelidada de Sagrada Congregação da Inquisição Universal –, Ratzinger recebeu de João Paulo II a missão de “promover a salvaguarda da doutrina na fé e da moral em todo o mundo católico”. Descrito como um teólogo brilhante pelos seus pares, autor de uma vasta bibliografia, as suas decisões nem sempre foram bem acolhidas pelos sectores mais progressistas, que o acusam de travar os anseios de reforma interna e abertura da Igreja ao mundo moderno.

Apesar da sua influência e dos que o apontavam como favorito, Ratzinger negou sempre qualquer aspiração a subir à cadeira de Pedro, garantindo que quando chegasse a idade de abandonar a Cúria pretendia regressar à sua aldeia natal, na Baviera, para se dedicar a tempo inteiro à escrita dos seus livros.

Uma juventude atribulada

Nascido a 16 de Abril de 1927 na aldeia de Marktl am Inn, era filho de um modesto polícia, cujos constantes destacamentos obrigavam a família a sucessivas mudanças. A Alemanha vivia então tempos conturbados, recém-saída de uma guerra e prestes a lançar-se noutra aventura bélica. O nazismo ganhava adeptos, mas o seu pai não alinhou nas teorias de Hitler, o que em 1932 lhe valeu o envio para Auschau am Inn, uma região remota no sopé dos Alpes.

Com a reforma do pai, a família fixa-se em 1937 em Hufschlag, nos arredores de Traunstein. Será no seminário desta pequena cidade que Ratzinger irá iniciar, dois anos depois, o seu percurso eclesiástico. Mas os planos do jovem foram interrompidos quando, em 1943, ao chegar aos 16 anos, é recrutado, juntamente com os colegas de turma, para o corpo de defesa anti-aérea, numa unidade responsável pela salvaguarda de uma fábrica da BMW nos arredores de Munique.

Ao atingir a maioridade, é recrutado para a Infantaria do III Reich, sendo colocado na fronteira entre a Áustria e a Hungria, onde permanecerá escassos meses até que decide desertar, em Abril de 1944. Depois de uma breve passagem por um campo de prisioneiros de guerra dos aliados, regressa ao seminário em 1945, sendo ordenado padre a 29 de Junho de 1951.

Dois anos depois conclui o doutoramento em teologia pela Universidade de Munique, dedicando-se nos anos seguintes ao ensino. Entre 1959 e 1963 ensina Teologia Fundamental na Universidade de Bona, regressando nesse ano a Munique. Três anos depois assume a cátedra de Teologia Dogmática em Tubinga, mas o clima demasiado liberal que reina na universidade (onde é também professor Hans Küng, o teólogo que anos depois viria a ser proibido de ensinar) leva-o a regressar à Baviera em 1969, desta vez para a Universidade de Regensburg.

As suas qualidades intelectuais tinham, entretanto, sido reconhecidas pela hierarquia católica, o que levou o cardeal Joseph Frings, de Colónia, a escolhe-lo como seu conselheiro teológico durante o Concílio Vaticano II (1962-65).

Em 1977, é nomeado arcebispo de Munique e Freising e, em Junho desse mesmo ano, o Papa Paulo VI eleva-o a cardeal, sendo um dos 14 membros do colégio cardinalício nomeado por aquele Sumo Pontífice, e o único dos cardeais-eleitores não estreantes deste conclave.

Três dias depois de completar 78 anos, Ratzinger é eleito para a cadeira de São Pedro, de que será o 265º ocupante. Nas últimas declarações públicas proferidas antes do início do conclave, na missa celebrada ontem na Basílica de São Pedro, aquele que será o quinto Papa de origem alemã apelou ao desenvolvimento de uma fé "mais madura" e à necessidade de combater a nova "ditadura de relativismo" da modernidade.

"Todos os dias novas seitas são criadas, tornando verdade os truques dos humanos. Ter uma fé clara, baseada no credo da Igreja, é fundamental, em vez de se deixar andar ao sabor de cada ventania, ou cada sopro", proclamou.

PUBLICO.PT


Papa Bento XVI preside hoje à primeira missa após a sua eleição

Foto
Domenico Stinellis/AP

Ainda antes da missa inaugural, prevista para o próximo domingo na Catedral de São Pedro, o Sumo Pontífice preside hoje a uma cerimónia mais íntima, concelebrada pelos cardeais reunidos em Roma para o conclave.

“Amanhã, às 09h00 [08h00 em Lisboa] o Papa presidirá a concelebração eucarística com os cardeais na capela Sistina e pronunciará a homilia, em língua latina”, revelou ontem, ao final da noite, Joaquin Navarro-Valls, porta-voz do Vaticano.

O latim foi a única língua litúrgica da Igreja Católica até ao Concílio Vaticano II, mas actualmente uma grande parte do clero, incluindo alguns cardeais, não a domina. A escolha da língua poderá ser vista como um sinal do conservadorismo do novo Sumo Pontífice, mas os defensores do seu uso sustentam que é a única língua que permite a igualdade entre os fiéis, independentemente da sua origem.

Na manhã seguinte à sua eleição, em Outubro de 1978, João Paulo II não celebrou a missa na Capela Sistina, mas recebeu todos os cardeais na sala do consistório, dirigindo-se-lhes em italiano.

Bento XVI foi eleito ontem à tarde pelos 115 cardeais-eleitores, após quatro votações. O fumo branco (símbolo da escolha de um novo Sumo Pontífice) começou a sair da chaminé do Vaticano cerca das 16h50 (hora de Lisboa), quinze minutos antes dos sinos da Basílica confirmarem a escolha do sucessor de João Paulo II. Perto das 18h00, o nome do cardeal Joseph Ratzinger foi anunciado e o novo Papa falou pela primeira vez à multidão reunida na Praça de São Pedro.

"Queridos irmãos e irmãs, depois do grande Papa João Paulo II, os cardeais elegeram-me – um simples e humilde trabalhador da vinha do Senhor. Consola-me o facto do Senhor trabalhar e agir mesmo com instrumentos insuficientes e acima de tudo entrego-me às vossas orações”, afirmou, na curta declaração que antecedeu a sua primeira bênção “Urbi et Orbi” (À Cidade e ao Mundo).

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