Sahara áfrica jones

"Sahara" resulta de cruzamentos vários, em que o imaginário hollywoodiano, na sua eterna reciclagem dos mesmos materiais, é fértil: por um lado o filme de aventuras africanas, de que "As Minas de Salomão" (romance e as diversas adaptações que este sofreu é o termo certo) funciona como protótipo; por outro, a sedução de Indiana Jones e da aventura arqueológica como motivo desencadeador da acção. Se lhe juntarmos as preocupações ecológicas (q.b.), o fascínio pelo deserto, glosado desde os tempos de Rudolfo Valentino até ao mais recente "O Paciente Inglês" e a obsessão pela Guerra Civil (1861-1965), a última ocorrida em território americano, teremos os ingredientes fundamentais.

A trama parece construída por medida: um antigo almirante (William H. Macy, sempre no tom certo) chefia uma organização não governamental de buscas submarinas e no seu grupo, um explorador, Dirk Pitt (Matthew McConaughey, a fazer bem de Harrison Ford) vive obcecado com a lenda de um couraçado da Confederação que teria atravessado o Atlântico, com um tesouro (vem a saber-se depois) de dólares de ouro sulistas. Como acção paralela, Eva Rojas, uma médica da Organização Mundial de Saúde - a inefável e insuportável Penelope Cruz (só Deus sabe como chegou a estrela) - "persegue" uma epidemia. Ambas as acções se encontram no interior do Mali, com todos os matadores, um cientista branco sem escrúpulos (Lambert Wilson em vilão sem grande interesse) e um ditador africano bem estereotipado, perseguições, explosões e inverosímeis descobertas.

Dito assim, parece que estamos perante um objecto a evitar, o que não é verdade: "Sahara" pode resultar previsível, mas consegue atingir uma tal fluência de encenação dos episódios aventurosos que prende o espectador à cadeira como acontecia nas aventuras de tempos idos. Não tem o carácter autoreflexivo e o poder encantatório da trilogia de Indiana Jones; não possui a perfeição no manejo dos efeitos especiais de "A Múmia"; atinge, contudo, os seus objectivos mínimos de despretensiosa glosa sobre a descoberta do passado e (ou) sobre os malefícios do presente, com a coordenada ecológica (a estranhíssima central poluidora no meio do deserto) a ganhar importância progressiva.

Há algum humor nas cenas mais movimentadas, sobretudo na destruição do iate, durante a perseguição no rio Niger, a ecoar de forma irrisória outras aventuras fluviais, como a da subida do rio, em "Apocalypse Now". Há uma noção fotogénica das construções no deserto (filmado em Marrocos), que, no entanto, se articula relativamente bem com a narrativa. Há uma certa humildade de não querer fazer transcendente, com a noção clara dos limites representativos do projecto: divertimento puro e simples, filtrado a partir da concepção que os "movie brats" (Lucas, Spielberg, Coppola) tinham do cinema clássico. Tudo muito eficaz, mediano e, por que não dizê-lo, espectacular. O epílogo é simplista, mas o desenvolvimento dos dados provoca algum prazer de reconhecimento, se aceitarmos a dimensão de "déjà vu" como componente essencial da ficção. E, depois, a história subterrânea do couraçado que "aterrou" no deserto, vindo do cerco de Richmond, carregado de moedas de ouro, quase que merecia um outro filme, com remissões para Jules Verne e para as maravilhas da ciência no século XIX. Uma razoável aventura à "moda antiga" para um público moderno e não demasiado exigente.

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