Hoje, o cinema no feminino ganhou outros contornos e este pequeno filme, "Bordadeiras", de uma mulher (Éléonore Fauchet, que assina a sua primeira longa-metragem), sobre mulheres e para mulheres, tem um "lugarzinho" privilegiado.
A história não podia ser mais simples: a jovem Claire, que trabalha na caixa de um supermercado, está grávida, ocultando o facto de quase todos, incluindo a sua própria família "disfuncional", e vai trabalhar com uma bordadeira de Alta-Costura, Mme Melikian (extraordinária Ariane Ascaride). A arte de bordar, as cumplicidades entre as duas mulheres, confrontadas com a vida e a morte, tudo contribui para um alheamento do mundo real, isolando-as numa espécie de redoma de sentimento e de beleza silenciosa.
A palavra de ordem é a lentidão, a precisão de movimentos, ligados, de forma intrínseca, ao ritmo das estações e do mundo interior: fechada no seu pequeno mundo, Claire alimenta-se de couves, marca de ligação à terra e presença de uma frugalidade necessária. Mme Melikian perdeu o filho num acidente nunca esclarecido e, com ele, o seu braço direito e a sua ligação com o exterior. Todas as relações (de Claire com o pai do filho, do filho Melikian com o amigo que sobreviveu ao desastre, de Mme Melikian com Claire) se pautam pelo mistério, por uma zona imensa de não-dito. Face ao fascínio dos pequenos gestos, de um ritual de olhares e trejeitos, nem a tragédia faz sentido: assim, a tentativa de suicídio de Mme Melikian serve apenas para estreitar os laços entre as duas mulheres, com a delicadeza e a falta de jeito, que revela toda a fragilidade do mundo. "Bordadeiras" não pode ser visto sem esta atenção ao detalhe significativo, esta beleza escondida nas coisas simples, nas sombras, na aspereza doce das figuras que parecem saídas de um quadro de Vermeer ("La Dentellière" a espreitar ao fundo a representação). A dignidade da personagem de Claire, entre uma Madonna renascentista e uma adolescente proletária, comanda este percurso por uma feminilidade ferida, mas nunca militante. Não se insiste numa dimensão política das relações de trabalho, mas numa anulação da conflitualidade, a caminho de uma paz cósmica, de uma familiaridade envolvente.
Neste filme etéreo, o tempo decorre com a inevitabilidade das estações, mas com a força do que se escorre sem deixar rasto. Há muito de metafórico nos tecidos leves e vaporosos que se enchem de pérolas, missangas ou pedaços de pele de coelho, em trabalho de minúcia e perícia: tece-se sobre o real uma rede de milagrosa transformação. Por isso neste filme luminoso e cristalino, a angústia dá lugar à esperança; ao desespero contrapõe-se o desejo de criar o belo, como se a arte (de bordar) fosse a razão de ser da vida. Na sombra e no silêncio, na arte do murmúrio, feito bordado, vivem as mulheres de um filme à espera de uma iminente transfiguração.