Tuberculose em Portugal ainda com a pior taxa europeia
O número de novos casos de tuberculose está a descer lentamente, mas Portugal continua a apresentar a pior taxa de incidência da Europa Ocidental, revelam os últimos dados da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Hoje assinala-se o Dia Mundial da Tuberculose.
Portugal teve em 2004 uma incidência de 38 casos de tuberculose por 100 mil habitantes - um total de 3861 entre novos casos e retratamentos. Na União Europeia a 25 só a Lituânia, a Letónia e a Estónia têm piores resultados. Todos os outros países da Europa Ocidental estão muito abaixo dos valores portugueses (ver caixa).
Apesar do mau resultado no ranking, a tendência tem sido de descida. Em 2004 foram notificados 33,7 novos casos por cada cem mil habitantes, em 2003 tinham sido 36,4 - revela o relatório da DGS divulgado esta semana.
A infecção por tuberculose aumentou na população toxicodependente (representando 20 por cento do total) e desceu junto dos reclusos (1,8 por cento), tendo estabilizado nos restantes grupos de risco. Os casos associados ao HIV/sida são de 15 por cento, na população imigrante atingem os 12 por cento. A doença afecta sobretudo os homens com idades entre os 25 e os 44 anos.
Em Portugal, como noutros países, a doença está associada à pobreza e à exclusão social. São os distritos urbanos de Lisboa, Porto e Setúbal que concentram 65 por cento dos casos. Nestas áreas há bolsas de pobreza "que exigem esforço complementar para se poder actuar", defende o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, Segorbe Luís, assinalando que a diminuição de casos se tem feito "a ritmo lento".
O relatório da DGS refere a necessidade de "acções focalizadas" "para detecção precoce e tratamento completo até à cura". No documento oficial deixa-se também um sinal de aviso: "Estando em curso uma profunda reforma do sistema de saúde, importa alertar para a necessidade de salvaguardar a operacionalidade dos serviços dedicados à tuberculose", lê-se.
Rastreio insuficienteA este propósito, Segorbe Luís critica o "desinvestimento" no combate à doença, nomeadamente a escassez de meios humanos na rede de Centros de Diagnóstico Pneumológicos (CDT - unidades de saúde dedicadas à tuberculose).
O presidente da Associação de Tuberculose e Doenças Respiratórias, Artur Teles Araújo, considera que o rastreio das pessoas com quem o doente contactou - a tuberculose pulmonar transmite-se pela respiração, tosse ou espirro - é "logisticamente insuficiente". Há poucos meios humanos para identificar esses contactos, que deveriam ser sujeitos a medicação de prevenção e exames médicos, diz.
Por dificuldade de acesso aos serviços de saúde destas franjas da população, "o diagnóstico é tardio". Acontece já na urgência do hospital ou em situações que já exigem internamento, lamenta o pneumologista Teles Araújo.
Refere, por exemplo, o grupo dos imigrantes de Leste, que vêm de países onde "a taxa de prevalência da tuberculose é alta". "Quando se encontram em situação ilegal têm medo de ir ao médico e acabam por contagiar outros", explica.
A pneumologista Raquel Duarte refere outro grupo de risco - os desempregados. "É conhecida a associação entre tuberculose e pobreza." A probabilidade de contrair a doença aumenta em situações de habitações sobrelotadas, de má higiene e má nutrição, enuncia a coordenadora do CDT de Vila Nova de Gaia e responsável pela comissão de trabalho da tuberculose da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
A médica sustenta que é preciso uma articulação mais intensa entre CDT - onde "se assiste a um esvaziamento de meios" -, hospitais e cuidados primários. Ao mesmo tempo, realça a falta de locais para internamento de doentes que incluem casos de tuberculose multirresistente (resistência a vários antibióticos), com "risco para o doente e para os outros". "Não temos onde internar estes doentes. São internamentos prolongados que não são compatíveis com a política de saúde actual", critica.
Ana Barbado, directora clínica do centro hospitalar de Torres Vedras (que inclui a única unidade vocacionada para a tuberculose, o Hospital do Barro), afirma ter sete pessoas com tuberculose multirresistente em lista de espera para internamentos de longa duração, que exigem quartos de isolamento com tratamento de ar.