"Sou uma baiana-carioca, uma baioca"

Espectáculo e disco chegam em simultâneo: Baiana da Gema ou Simone a cantar inéditos de Ivan Lins, num projecto que ela explica em entrevista

Nuno Pacheco

Muitos ainda se recordarão dessa noite: Chico Buarque, Ivan Lins, Simone, juntos num espectáculo ao ar livre diante de muitos milhares de pessoas reunidas no Alto da Ajuda, naquela que foi a segunda Festa do Avante! realizada naquele local. Foi em 1980, há 24 anos, e Simone recorda-nos esse momento em Lisboa, nas vésperas dos seus concertos nos coliseus: "Estávamos ensaiando e havia poucas pessoas, mas quando a gente voltou ao palco lembro-me de ter dito: "não olhem para a frente". Havia uma multidão!"Era o ano de Começar de Novo, enorme êxito na voz de Simone para a série brasileira Malu Mulher, que no Brasil e também em Portugal abalava costumes e preconceitos. O autor da música era Ivan Lins, de quem ela gravaria outras canções de impacto como Saindo de Mim, Desesperar Jamais, Novo tempo ou Antes que seja tarde. Aliás, Simone já gravara uma canção de Ivan (Chegou a hora) logo no seu primeiro disco, em 1973.
Passaram-se 31 anos e 31 discos, onde ela foi registando outras canções assinadas por Ivan Lins e pelo seu parceiro mais regular, Vítor Martins: mais 15, ao todo. Até que, em 2004, gravou 13 de uma só vez. Um disco inteiro com o compositor que melhor assimila a sua voz e que ela, segundo o próprio Ivan, canta melhor do que ninguém. A ideia foi do empresário Marcos Maynard, muito amigo dos dois. "Ele sabia que nós podíamos fazer um projecto juntos, só que não falávamos disso. Uma vez fui a casa do Ivan e ele estava com um projecto muito bonito, só de compositoras e poetisas brasileiras, com músicas maravilhosas. Fiquei encantada. Disse que se ele não gravasse, eu gravaria." Isso foi em meados da década de 90. Mas o tempo não ajudou e cada um voltou às suas vidas.
Quando Maynard deixou a presidência da Abril Music (que faliu em 2003) e assumiu a direcção da EMI Brasil, voltou a falar-lhe no projecto: "Eu disse que adoraria fazer. Mas como seria? Eu cantando as músicas do Ivan? E os músicos? Eu queria escolher." Nada disso foi obstáculo. "Encontrei-me com Ivan e ele trouxe algumas canções que estavam prontas, do projecto das mulheres. Escolhi a da Joyce, a da Elisa Lucinda e a da Flora Figueiredo. As outras letras não estavam prontas. Havia Atlântida, só a música, que era de um filme, e Veneziana, apenas o refrão. E havia também Por favor, que achei uma música fortíssima. Aí começámos a escolher quem faria as outras letras. Ele gosta muito do Martinho [da Vila], óptimo, que eu adoro; o Francisco Bosco [filho de João Bosco] eu gostava muito que fizesse, até mais letras; e o Paulo César Pinheiro estava numa fase em que respondia quase de imediato, às vezes num só dia, às solicitações do Ivan."

Entre a Bahia e o RioO mote do projecto, Baiana da Gema, nasceu de uma sugestão da cantora. Ivan começou a brincar com o ritmo e depois foi de Paulo para Paulo, do produtor para o letrista que rapidamente concretizou a ideia. Ivan fez depois a música em cima da letra: "Guanabara chegou/ Bahia chamou/ pedindo esse tema/ carioca da clara/ e baiana da gema." O tema tem, para Simone, algo de biográfico. Nascida no dia de Natal de 1949 em Salvador da Bahia, de mãe pianista e pai cantor de ópera, acabou por absorver também muito do espírito do Rio de Janeiro, onde chegou a encher o estádio do Maracanãzinho, em 1981. "Acho a música genial e também a forma como o Paulo César deu cara à brincadeira, o facto de ele ser um carioca e eu uma baiana que mora no Rio há muitos anos. Carioca da gema é uma expressão do Rio, não da Bahia. Então eu roubei a gema não deixando de ser baiana. Porque sou um bocadinho das duas coisas: uma baiana-carioca, uma baioca."
Depois deste trabalho com Ivan Lins, Simone tem pelo menos três discos temáticos em projecto, dedicados a figuras já desaparecidas: Dalva de Oliveira (1917-1972), Maysa (1936-1977) ou o mentor do grupo rock Legião Urbana, Renato Russo (1960-1996). Mas nos coliseus é Baiana da Gema que terá a primazia, recriado para palco com a sua banda regular de seis músicos: dois violões e guitarras, percussão, bateria, baixo e teclas. Estreado em 2004 no Brasil, chega à Europa com alguns inéditos na voz de Simone, como Vieste e Vitoriosa, ambas de Ivan Lins; Dia Branco, de Geraldo Azevedo; Eu quero é botar o meu bloco na rua, de Sérgio Sampaio; ou Nós, de Tião Carvalho.
Para Simone, de regresso à EMI, disco e espectáculo são um refrescar da sua carreira: "Foi muito bom gravar como quis, com quem quis. Foi um presente para mim, feito num clima de total felicidade." Em breve, haverá também um DVD a testemunhá-lo.

Simone
PORTO Coliseu
R. Passos Manuel, 137. Tel.: 223394947
Hoje, às 21h30.
Bilhetes entre os 18 e os 40 euros
LISBOA Coliseu
R. Portas de Santo Antão, 96.
Tel.: 213240580
Dia 14, às 21h30.
Bilhetes entre os 20 e os 50 euros

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