Governo: Metade PS, metade independentes

José Sócrates anunciou ontem um governo de onde está ausente António Vitorino - regressa algum guterrismo, foi buscar independentes por si conquistados e lança de novo para o governo o fundador do CDS, Freitas do Amaral.

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As “sensibilidades internas” do PS foram respeitadas por Sócrates, com excepção dos apoiantes de João Soares Luís Ramos/PÚBLICO

No dia em que recebeu o telefonema de felicitações de George Bush pela vitória eleitoral, José Sócrates anunciou ao país a composição do seu Governo, que tem como ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, fundador do CDS, e um dos mais ferozes opositores à invasão americana do Iraque. Vinte e cinco anos depois da Aliança Democrática (coligação PSD,CDS,PPM), Freitas do Amaral volta ao Governo, já não como número dois, mas como número três.

Em plena campanha eleitoral, Freitas escreveu um artigo na "Visão" a apelar à maioria absoluta do PS, que foi um choque para os sectores da direita, que em 1986 se tinham unido para apoiar a candidatura presidencial de Freitas do Amaral, que perdeu por escassos votos para Mário Soares.

António Costa é o número dois do Governo. Ministro de Estado e da Administração Interna, Costa terá a seu cargo a reforma do Estado, na vertente da simplificação da administração pública e da reorganização territorial. José Sócrates entrega, assim, um superministério, que controlará sectores decisivos como os serviços de informações e as polícias, ao mais influente dirigente socialista que levou para um Governo de onde estão ausentes pesos-pesados como António Vitorino ou Jaime Gama. Gama será Presidente da Assembleia da República, conforme já ontem noticiou a Lusa.

A recusa de Vitorino já era, nos últimos dias, esperada: ontem, confirmou-se mais um "não" do mito sebastiânico do PS que, tal como o próprio tinha dito nas vésperas da campanha eleitoral, quando foi entrevistado pelo PÚBLICO e pela Renascença no programa Diga Lá Excelência, não tem feitio para ser número dois.

António Vitorino, que participou activamente na campanha eleitoral e fez parte do restrito número de socialistas que acompanharam a formação do Governo, passou agora a constar, nos bastidores socialistas, como um possível candidato a Belém, no caso de António Guterres acabar por desistir da candidatura à Presidência da República. Esta nota foi, aliás, enfatizada ontem, publicamente, por Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda, que, reagindo ao novo Governo, afirmou que Vitorino, transformado "numa espécie de enigma da esfinge, ou não entra para ser o candidato suplente à presidência no caso de Guterres não avançar ou quer fazer vida separada da política".

A quota de independentes deste governo é paritária com a quota de militantes: oito ministros são independentes e oito militantes socialistas. Além de Freitas do Amaral, o futuro Governo integra Luís Campos e Cunha, presidente da Faculdade de Economia da Universidade Nova, ministro de Estado e das Finanças; Francisco Nunes Correia, presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, no Ambiente; Manuel Pinho, ex-administrador do grupo Espírito Santo, na Economia e Inovação; Jaime Silva, conselheiro principal da representação portuguesa em Bruxelas, na Agricultura; Isabel Pires de Lima, catedrática de Literatura da Universidade de Letras do Porto, na Cultura; Maria de Lurdes Rodrigues, presidente do Conselho Científico do ISCTE, na Educação. Destes independentes, Mariano Gago é um velho conhecido (foi ministro dos governos Guterres, onde era classificado como o mais "militante" dos independentes), Isabel Pires de Lima, ex-militante do PCP, que rompeu com este partido na dissidência do início dos anos 90, é deputada independente pelo PS desde 1999 e Manuel Pinho é porta-voz do PS para a Economia desde que José Sócrates assumiu a liderança do partido.

Aos elencos ministeriais de António Guterres, Sócrates foi buscar António Costa, recuperou Alberto Costa (que ocupou a pasta da Administração Interna no primeiro governo, demitindo-se na sequência de turbulências no sector, e agora vai para a Justiça), Correia de Campos (que António Guterres também chamou para a Saúde, após a remodelação de Maria de Belém Roseira), Augusto Santos Silva (que tutelou a Educação e passa agora para os Assuntos Parlamentares) e, claro, Mariano Gago.

Vieira da Silva, que foi secretário de Estado da Segurança Social e depois das Obras Públicas (quando Ferro Rodrigues, de quem sempre foi homem de confiança, tutelou as respectivas pastas), é agora ministro da Segurança Social. Pedro Silva Pereira, o braço direito de Sócrates, que foi secretário de Estado quando o primeiro-ministro indigitado ocupou o Ambiente, é agora ministro da Presidência e Luís Amado, um militante próximo de Jaime Gama, que foi secretário de Estado da Cooperação e depois secretário de Estado da Administração Interna nos governos Guterres, é agora ministro da Defesa.

Gamistas, alegristas e ferristas

As "sensibilidades internas" foram devidamente respeitadas quanto baste: a herança de Jaime Gama mantém-se na Defesa com Luís Amado, a de Ferro Rodrigues na Segurança Social com Vieira da Silva. Destacados apoiantes de Manuel Alegre, como Augusto Santos Silva e Jorge Lacão, agora secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, fazem parte do Governo. O "joão-soarismo", sempre presente nos governos Guterres, foi desta vez erradicado.

Mulheres há só duas, as independentes Isabel Pires de Lima e Maria de Lurdes Rodrigues, a tutelar a Cultura e a Educação. O Governo Sócrates faz um compromisso entre os actores do guterrismo, uma dose de independentes por si conquistados e a sensacional recuperação política do ex-líder do CDS Freitas do Amaral. No entanto, nenhum dos protagonistas do famoso cartaz do PSD "Quer mesmo que eles voltem?" entrou no Governo: nem Edite Estrela, nem João Cravinho, nem Pina Moura, nem Fernando Gomes.

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