Torne-se perito

Investigadores portugueses elaboraram um catálogo dos tsunamis históricos dos Açores

Documentos e registos instrumentais revelam que 23 maremotos atingiram as ilhas desde a sua descoberta

Três cientistas portugueses analisaram diversas fontes documentais para descobrir quantos tsunamis atingiram o arquipélago dos Açores desde que foram descobertos, no século XV, e para sua surpresa depararam-se com um número elevado destas ondas peculiares: houve pelo menos 23 inundações com origem em tsunamis. Em breve, este trabalho científico será publicado na revista europeia "Journal of Volcanology and Geothermal Research". A referência mais antiga do catálogo é a um tsunami de Julho de 1571. A referência mais recente é de 1 de Janeiro de 1980, que passou despercebido aos habitantes da ilha Terceira, mas não aos instrumentos. Atingiu só meio metro de altura, o que também mostra que nem todos os registos do catálogo são de tsunamis destrutivos.
Já o maior de todos os tsunamis nos Açores foi o originado pelo sismo de 1 de Novembro de 1755, com ondas entre os 11 e os 15 metros de altura na Terceira, embora tenha atingido todas as ilhas. Outros tsunamis chegaram a ter ondas de dez metros, como os de 1856 e 1899, que atingiram São Jorge.
Face a estes resultados, o geólogo César Andrade, da Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL), um dos autores do trabalho, considera a frequência de tsunamis nos Açores muito elevada. Dá cerca de um tsunami em cerca de 20 anos, independentemente da intensidade ou fonte. "Fiquei surpreendido. É uma cadência muito alta", diz César Andrade, que assina o artigo com Conceição Freitas, da FCUL, e Paulo Borges, da Universidade dos Açores.
"A maior parte dos tsunamis está associada a sismos", conta o geólogo, pois os deslizamentos de terras, por exemplo, também podem causar tsunamis, ou maremotos. "Os mais intensos foram causados por sismos que se geraram bastante longe dos Açores, mas as ondas tocaram a linha de costa e afectaram a generalidade das ilhas do arquipélago. Causaram prejuízos, particularmente o sismo de 1755, que teve efeitos dramáticos nos Açores", conta César Andrade.
Que vítimas causaram é que não é fácil saber, até ao século XX. Nas fontes históricas vê-se a preocupação em documentar a morte do clero, da nobreza e da alta burguesia, e minimizar a de outros. Por isso, César Andrade diz que a contagem de vítimas está enviesada: "São estimativas por defeito." Mas um registo com 20 mortos já é significativo, porque, até ao século XX, ninguém ia à praia. Apanhar sol era desagradável - o que significa que a inundação teve de ser grande e entrar pelos campos fora e casas adentro.
Iniciada há dois anos, a compilação deste catálogo pode mostrar que os Açores são uma zona de risco de tsunamis não negligenciável, até porque hoje a costa tem maior ocupação humana. É a listagem mais actualizada e vasta dos tsunamis históricos do arquipélago, que a equipa gostaria de ver editada mais acessível ao público e às entidades da região dos Açores. Paulo Borges já contactou o Governo Regional nesse sentido.
Mas o catálogo não é um fim em si mesmo, embora até possa sensibilizar para o risco dos tsunamis. "Vamos usar estes dados para ir aos sítios e procurar testemunhos geológicos, essencialmente depósitos sedimentares", diz César Andrade.
Se os cientistas conseguirem identificar as características únicas de depósitos de tsunamis, diferenciando-as de cheias fluviais ou temporais, então em qualquer depósito saberá ver-se a assinatura de um tsunami, mesmo que não exista documentação.
Desta forma, poderão estimar-se de forma mais rigorosa os intervalos de retorno destes eventos, que podem ser muito destrutivos, como demonstrou o sismo e tsunami da Ásia a 26 de Dezembro, apesar de ser um tsunami médio. O lado prático desta investigação liga-se à determinação do risco de tsunami para uma certa zona da costa e estabelecer em consonância planos de ordenamento do território e de actuação da protecção civil.
"As nossas séries temporais são muito pequenas", sublinha o investigador. Os dados instrumentais têm cerca de 50 anos e os registos históricos podem ter quatro ou cinco séculos. Ora os tsunamis muito grandes podem vir uma vez em 500 anos: "Há a forte possibilidade de os registos documentais falharem esses eventos."
Mas é provável que tenham ficado guardados nos sedimentos, e é a chave para a sua leitura inequívoca que a equipa quer encontrar. "Há depósitos em que já não temos dúvidas que são de origem tsunamigénica, outros podem ser ou não. Isto está em discussão em todo o mundo e não há consenso. Por isso é mais fácil trabalhar nos locais onde já há registos documentais, antes de ir para outros sítios onde não sabemos nada."
O sismo de 1755 é aqui paradigmático. Desde há cinco anos que os cientistas têm provas nos sedimentos da sua existência: "Temos um registo claríssimo do impacto do sismo de 1755."

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